Lembro-me de que era uma tarde fria de outono, dessas em que as árvores ganham tons amarelados, avermelhados, tons maravilhosos, quando as flores se desprendem delicadamente dos galhos, e caem de uma forma majestosa, sobre as calçadas.
Eu estava
sentada em um banco de madeira, pintado de branco o qual, contrastava com as
folhas caídas no chão.
Admirava as
pessoas nos pedalinhos indo e vindo pelo enorme lago do parque, quando um
senhor se sentou ao meu lado. Educadamente pediu licença, colocou seu chapéu no
braço do banco, cruzou as pernas e abriu um pequeno livro.
Confesso que
fiquei curiosa para saber o título do mesmo, mas a vergonha foi maior, não
consegui ir além de um leve consentimento de “pode sentar” com a cabeça.
Fiquei por
ali mais uns cinco minutos e decidi ir para casa, o frio estava começando a
congelar as pontas dos meus dedos.
No dia
seguinte, o sol me acordara cedo, como era sábado, queria aproveitar para fazer
algumas coisas que durante a semana não tivera tempo.
O parque
cortava caminho e diminuía passos, além das belezas naturais que sempre tiravam
o meu fôlego quando parava por alguns instantes para admirá-lo.
Na volta,
com algumas sacolas a mais, decidi me sentar um pouco, não havia calculado ao
certo o peso de cada uma, e estava cansada.
Alguns
minutos depois, enquanto meus olhos se entretinham com patos buscando comida
sobre a água, uma voz familiar me cumprimenta pedindo licença para se sentar.
Prontamente
trouxe as sacolas para perto do meu corpo, e o conhecido senhor sentou-se,
colocando seu chapéu sobre o banco, cruzando as pernas abriu o pequeno livro. O
mesmo de ontem.
Olhei de
canto de olho, percebi que a capa era branca e o livro era pequeno e fino,
pensei comigo: deve possuir umas dez
páginas.
Mas, minha
olhada de canto foi percebida, e sem tirar os olhos do livro o senhor me
perguntou: - Conhece o Pequeno Príncipe?
No momento
corei, ele havia percebido minha indiscrição. Senti-me tola por não ter
perguntado o nome e sim, esperado ele perceber minha curiosidade.
- Já ouvi
falar, sim senhor.
- Eu já li
esse livro 156ª vezes, ele continuou, e sempre que o leio, é uma nova surpresa
para mim. Amadurecemos, a visão muda sobre muitas coisas, inclusive sobre uma
obra tão rica como essa.
Analisei
rapidamente aquele pequeno livro que o senhor tinha entre as mãos. Sem exageros,
posso afirmar que as mãos dele eram quase maiores que o livro, que ele dizia
ter lido tantas vezes.
-
Desculpe-me, eu já ouvi falar, mas sempre pensei que fosse um livro infantil.
Lembro-me até dos desenhos que passavam sobre ele.
- Não, não,
engana-se. Esse livro é tão profundo que, após lê-lo, mesmo pela "157ª" vez, ele
causa mudanças em minha forma de analisar, agir e pensar.
- Percebo
pela sua fisionomia que não acredita em mim. Façamos o seguinte:- fique com o
livro, daqui a uma semana, encontre-me neste mesmo local e voltamos a
conversar.
No momento,
me neguei a aceitar tal proposta, aquele senhor emprestando seu livro, tão
precioso para ele. Mas ele insistiu, deixou-o sobre o banco e partiu.
Eu não sabia
seu nome e nem ele o meu. Peguei o livro, abri em uma página qualquer, muitas
marcações, palavras destacadas, pensei: - isso será interessante!
Desafio
aceito.
Fui para
casa, por incrível que pareça no caminho todo em pensava naquele pequeno livro,
sem entender ainda como ele transformaria minha vida, ou pensamentos, ou forma
de agir.
Arrumei as
compras. Olhei o relógio, eram três da tarde. Pelo tamanho do livro, calculei
que em meia hora já o teria lido e guardado na sacola para devolvê-lo, no
sábado seguinte.
Fiz um pouco
de chá, ajeitei-me na poltrona e lá fui eu para a primeira página, e a mágica foi acontecendo, página após
página, e 96 páginas depois, o livro chega ao fim. Olhei para os lados, a
sensação foi de ter saído das profundezas do oceano dentro de mim mesma.
Turbilhão de
sentimento, estrelas, rosa, planetas, esperança, amor, saudade, tudo misturado
dentro de mim querendo explodir. Eu precisava encontrar aquele senhor,
precisava lhe contar tudo isso, precisava mostrar ao mundo do que aquele
pequeno livro era capaz!
Eu não
queria que ele tivesse acabado eu queria mais folhas, mais palavras bonitas,
mais conselhos, mais verdades, eu queria mais do que o mundo oferecia naquelas
poucas folhas.
Foi preciso
um estranho se aproximar de mim, para eu conhecer algo tão precioso que estava
acessível o tempo todo e nunca fora percebido por mim, talvez por preconceito
ou ignorância.
A semana passou,
voltei ao parque, ao mesmo lugar para
entregar o livro ao senhor desconhecido.
E lá estava
ele, no mesmo banco, com o chapéu em suas mãos. Quando me aproximei ele sorriu.
- Não
precisa dizer nada, seus olhos mudaram desde a última vez em que eu a vi. Seu
rosto, seu semblante está iluminado. O livro funcionou para você.
- Funcionou?
- Eu sempre
ando com um exemplar desse livro em busca de pessoas que precisam dele. Percebi
que você era uma delas. Mas na primeira vez não teve coragem de se aproximar e,
eu respeitei seu espaço. Na segunda vez, percebendo que você estava observando
e tentando descobrir a capa, o nome, eu o aproximei de você. Esta é a magia do
Pequeno Príncipe, ele convida as pessoas para ler, e transformarem um pouco
suas vidas como ele fez comigo e com você.
Fiquei
admirada com aquelas palavras. Aquele senhor fazia uma corrente do bem,
emprestando o livro para pessoas que, sem perceberem, estavam anestesiadas na
vida. Sem a real e total perspectiva.
Estendi a
mão para devolver o livro, mas ele recusou e disse:
- Passe-o
para outra pessoa ou guarde-o para você. É seu.
Colocou o
chapéu, apertou minha mão, sorriu e seguiu seu caminho.
Até hoje não
sei o nome dele, mas ele sabe o bem que ele me fez ao me entregar aquele
pequeno e tão grandioso livro.