5 de set. de 2020

Pequenos frascos, grande fragrâncias

 




Lembro-me de que era uma tarde fria de outono, dessas em que as árvores ganham tons amarelados, avermelhados, tons maravilhosos, quando as flores se desprendem delicadamente dos galhos, e caem de uma forma majestosa, sobre as calçadas.

Eu estava sentada em um banco de madeira, pintado de branco o qual, contrastava com as folhas caídas no chão.

Admirava as pessoas nos pedalinhos indo e vindo pelo enorme lago do parque, quando um senhor se sentou ao meu lado. Educadamente pediu licença, colocou seu chapéu no braço do banco, cruzou as pernas e abriu um pequeno livro.

Confesso que fiquei curiosa para saber o título do mesmo, mas a vergonha foi maior, não consegui ir além de um leve consentimento de “pode sentar” com a cabeça.

Fiquei por ali mais uns cinco minutos e decidi ir para casa, o frio estava começando a congelar as pontas dos meus dedos.

No dia seguinte, o sol me acordara cedo, como era sábado, queria aproveitar para fazer algumas coisas que durante a semana não tivera tempo.

O parque cortava caminho e diminuía passos, além das belezas naturais que sempre tiravam o meu fôlego quando parava por alguns instantes para admirá-lo.

Na volta, com algumas sacolas a mais, decidi me sentar um pouco, não havia calculado ao certo o peso de cada uma, e estava cansada.

Alguns minutos depois, enquanto meus olhos se entretinham com patos buscando comida sobre a água, uma voz familiar me cumprimenta pedindo licença para se sentar.

Prontamente trouxe as sacolas para perto do meu corpo, e o conhecido senhor sentou-se, colocando seu chapéu sobre o banco, cruzando as pernas abriu o pequeno livro. O mesmo de ontem.

Olhei de canto de olho, percebi que a capa era branca e o livro era pequeno e fino, pensei comigo: deve possuir  umas dez páginas.

Mas, minha olhada de canto foi percebida, e sem tirar os olhos do livro o senhor me perguntou: - Conhece o Pequeno Príncipe?

No momento corei, ele havia percebido minha indiscrição. Senti-me tola por não ter perguntado o nome e sim, esperado ele perceber minha curiosidade.

- Já ouvi falar, sim senhor.

    No momento da resposta, veio à tona minha infância, quando desenhos daquele pequeno menino, passava na TV. Eu sempre achei que era coisa de criança, o que me causou estranheza um senhor lendo um livro, supostamente infantil.

- Eu já li esse livro 156ª vezes, ele continuou, e sempre que o leio, é uma nova surpresa para mim. Amadurecemos, a visão muda sobre muitas coisas, inclusive sobre uma obra tão rica como essa.

Analisei rapidamente aquele pequeno livro que o senhor tinha entre as mãos. Sem exageros, posso afirmar que as mãos dele eram quase maiores que o livro, que ele dizia ter lido tantas vezes.

- Desculpe-me, eu já ouvi falar, mas sempre pensei que fosse um livro infantil. Lembro-me até dos desenhos que passavam sobre ele.

- Não, não, engana-se. Esse livro é tão profundo que, após lê-lo, mesmo pela "157ª" vez, ele causa mudanças em minha forma de analisar, agir e pensar.

 Fiquei muda. Não podia crer no que aquele senhor, que me parecia tão culto e vivido falava sobre um pequeno livro mudar pensamentos de um homem como ele?! Impossível acreditar.

- Percebo pela sua fisionomia que não acredita em mim. Façamos o seguinte:- fique com o livro, daqui a uma semana, encontre-me neste mesmo local e voltamos a conversar.

No momento, me neguei a aceitar tal proposta, aquele senhor emprestando seu livro, tão precioso para ele. Mas ele insistiu, deixou-o sobre o banco e partiu.

Eu não sabia seu nome e nem ele o meu. Peguei o livro, abri em uma página qualquer, muitas marcações, palavras destacadas, pensei: - isso será interessante!

Desafio aceito.

Fui para casa, por incrível que pareça no caminho todo em pensava naquele pequeno livro, sem entender ainda como ele transformaria minha vida, ou pensamentos, ou forma de agir.

Arrumei as compras. Olhei o relógio, eram três da tarde. Pelo tamanho do livro, calculei que em meia hora já o teria lido e guardado na sacola para devolvê-lo, no sábado seguinte.

Fiz um pouco de chá, ajeitei-me na poltrona e lá fui eu para a primeira página,  e a mágica foi acontecendo, página após página, e 96 páginas depois, o livro chega ao fim. Olhei para os lados, a sensação foi de ter saído das profundezas do oceano dentro de mim mesma.

Turbilhão de sentimento, estrelas, rosa, planetas, esperança, amor, saudade, tudo misturado dentro de mim querendo explodir. Eu precisava encontrar aquele senhor, precisava lhe contar tudo isso, precisava mostrar ao mundo do que aquele pequeno livro era capaz!

Eu não queria que ele tivesse acabado eu queria mais folhas, mais palavras bonitas, mais conselhos, mais verdades, eu queria mais do que o mundo oferecia naquelas poucas folhas.

Foi preciso um estranho se aproximar de mim, para eu conhecer algo tão precioso que estava acessível o tempo todo e nunca fora percebido por mim, talvez por preconceito ou ignorância.

A semana passou, voltei ao parque,  ao mesmo lugar para entregar o livro ao senhor desconhecido.

E lá estava ele, no mesmo banco, com o chapéu em suas mãos. Quando me aproximei ele sorriu.

- Não precisa dizer nada, seus olhos mudaram desde a última vez em que eu a vi. Seu rosto, seu semblante está iluminado. O livro funcionou para você.

- Funcionou?

- Eu sempre ando com um exemplar desse livro em busca de pessoas que precisam dele. Percebi que você era uma delas. Mas na primeira vez não teve coragem de se aproximar e, eu respeitei seu espaço. Na segunda vez, percebendo que você estava observando e tentando descobrir a capa, o nome, eu o aproximei de você. Esta é a magia do Pequeno Príncipe, ele convida as pessoas para ler, e transformarem um pouco suas vidas como ele fez comigo e com você.

Fiquei admirada com aquelas palavras. Aquele senhor fazia uma corrente do bem, emprestando o livro para pessoas que, sem perceberem, estavam anestesiadas na vida. Sem a real e total perspectiva.

Estendi a mão para devolver o livro, mas ele recusou e disse:

- Passe-o para outra pessoa ou guarde-o para você. É seu.

Colocou o chapéu, apertou minha mão, sorriu e seguiu seu caminho.

Até hoje não sei o nome dele, mas ele sabe o bem que ele me fez ao me entregar aquele pequeno e tão grandioso livro.

A carta que nunca chegou

    Tarde cinza, vento forte fazia os galhos das árvores dançarem no jardim. Eu precisava finalizar a mudança que começara há dois anos,...