29 de out. de 2021

Quantas pessoas ainda vivem assim


 

Imagem do google

 

À tardinha de um dia com muito sol, resolvi fazer uma caminhada, pois a pandemia me deixou quieta em casa, por muito tempo.

Agora, como tudo parece estar mais calmo decidi que devia voltar a caminhar.

Gosto desta atividade, pois me dá muita liberdade para admirar toda a beleza da natureza. Percebi que sentados na grama havia uma família bem unida literalmente, estavam dividindo alimentos. O pai cortava em quatro pedaços o pequeno pão que tinha em suas mãos. Chocou-me muitíssimo aquela cena, prestei mais atenção. Depositada na grama estavam uma bolsa de lona suja e um cão, o qual também ganhou um bocadinho de pão. Após todos comerem, o pai retirou da sacola quatro bananas bem maduras, cada um ganhou a sua, o cão ganhou um pedaço de biscoito. Era a sobremesa e, havia mais, todos ganharam um pouco de refrigerante, que deveria estar quente devido ao calor, no mesmo copo descartável cada um tomou o suficiente. Ah, o cão tinha uma latinha com água, que foi tirada de uma garrafa pet.

E todos estavam surpreendentemente felizes.

Parei para conversar com eles, lindos e unidos. Quis saber a sua história. O nome do marido era Altamiro, ele então me contou que trabalhava cuidando de cinco grandes jardins, e sua esposa dona Neide trabalhava como diarista em quatro casas, das quais ele cuidava dos jardins. Contou-me que ganhavam razoavelmente bem. Continuou falando, mas muito emocionado, nossos dois filhos estavam na escolinha. Tudo ia muito bem até a chegada da pandemia. Meus patrões me dispensaram, pois, a época era de muitas mortes, minha esposa também teve que parar com seu trabalho, nossos filhos ficaram em casa. Tínhamos uma casa, alugada, mas confortável, a esperança era de que tudo logo ficasse bem. Tínhamos dinheiro para um bom tempo sem passarmos necessidades, porém o tempo foi maior, que o esperado, e hoje estamos sofrendo as consequências da pandemia.

A dona da casa, na qual morávamos nos determinou um tempo para que a desocupássemos. Parecia um pesadelo, os poucos parentes tentaram nos acolher, mas não tinham condições. Sabe, moça tenho até vergonha de falar tudo que passamos para sobreviver, só não roubamos.

Pedíamos comida, falávamos a verdade. Caso nos dessem um serviço, ficaríamos contentes em fazê-lo por um prato de comida.

No início até as contribuições eram generosas, mas aos poucos cada um se fechou no seu mundo. Hoje só isso que conseguimos para comer. Tenho vergonha por ser um homem forte e não ter serviço para mim. Já fiz um pouco de tudo, mas sempre é por pouco tempo. Percebi que tinham algumas roupas e, até mesmo um pedaço de colchão. Ele explicou que sempre procuram um lugar seguro para dormirem, o cão estava sempre atento.

Contou-me que um senhor lhe arrumou um serviço para ele limpar seu jardim, mas só para o final de semana seguinte, após passarem as chuvas. Minha mente estava confusa, um turbilhão de pensamentos me deixava sem saber o que fazer.

Como ajudar?

E quantas pessoas estão vivendo nestas condições?

No momento em que estávamos conversando, um casal se aproximou, notei que já se conheciam.

A mulher começou a falar.

Altamiro, nosso vizinho tem um barracão em ótimo estado, arrumamos tudo, e o deixamos em condições de vocês morarem por um tempo lá.

Muitos amigos nos ajudaram, ganhamos um fogão, instalamos uma pequena cozinha, tem um banheiro, que fazia parte do local, improvisamos quartos e camas para vocês. O chuveiro foi instalado há pouco. Uma loja local doou algumas roupas. O material de higiene foi doado por uma drogaria, para o momento vocês têm o que precisam para ter uma vida um pouco melhor, que às ruas. Percebi que as lágrimas escorriam em todos os rostos, eu que já estava crente de que nada mudaria com a pandemia, que a empatia tão citada não era real, porém eu estava registrando com meus olhos a bondade de um grupo de pessoas ajudando seu próximo.

O casal encaminhou a família para o carro, mas antes seu Altamiro fez questão de se despedir de mim e me agradecer. Não sei o porquê do agradecimento, mas fiquei feliz por eles.

Sabemos que muitas famílias ainda passam por esta amarga situação. Muito triste.


Queridos amigos, justifico aqui a minha ausência. Fiz um procedimento cirúrgico no olho esquerdo, só agora estou aos poucos voltando a escrever. Saudades de todos.

A carta que nunca chegou

    Tarde cinza, vento forte fazia os galhos das árvores dançarem no jardim. Eu precisava finalizar a mudança que começara há dois anos,...