6 de mar. de 2023

Na época das galochas

 



 

 Presenciei um fato, que me trouxe à memória um acessório, a galocha, que era usada sobre os calçados em dias de chuva. Principalmente as crianças, que gostavam de passar por dentro das poças, molhando assim, seu calçado.

Nem todos gostavam de usá-las. Era de borracha de cor preta. Não sei se havia, na época, outras cores. Ficavam bem, mesmo, com o uso de ternos.

Porém, havia o transtorno de onde guardá-las após chegar a um casamento, aniversário ou reunião, pois eram usadas com roupas sociais também.

Meu tio veio de outra cidade para o casamento de sua sobrinha e afilhada, sempre muito elegante, veio em época de muita chuva. É claro trouxe suas galochas, não entendi o porquê de trazer dois pares.

Todos estavam ocupados na preparação da festa do casamento. A igreja estava belíssima, era uma capela simples, porém ficou requintada com a bela ornamentação.

A hora do casamento chegou, a família e convidados à espera da noiva, na igreja.

Meu tio conduziria minha prima ao altar. Ela já estava aguardando dentro do carro, em frente à igreja. A chuva havia aumentado.

A hora passava e nada do meu tio aparecer. Não havia celular na época.

Meu primo foi até a casa para ver o que havia acontecido. Pasmem, ele estava calçando as galochas e desfilando em frente ao espelho para ver qual era mais ajeitada com o terno. Para mim, eram iguais, mas para ele não. Ele não queria que a galocha fosse notada, por isso tinha que ser semelhante ao seu sapato. Tudo certo, galocha escolhida, foram enfim, para a igreja.

As portas foram fechadas para a noiva chegar, meu tio se posicionou ao lado dela, a música começou. As portas foram abertas, e o casal surgiu, confesso que foi emocionante. Após alguns passos sobre o lindo tapete branco, meu tio ficou nervoso e pediu para parar. Ele havia esquecido de tirar as galochas. Foi hilário ver aquela cena. A maioria dos presentes não conseguiu segurar o riso.

Ele meio confuso apoiou-se em um banco e com cuidado tirou as galochas, outro problema, onde guardá-las?

Um senhor que estava rindo da situação disse a ele:

- Passe para mim, eu cuido delas para você.

O casamento prosseguiu tranquilamente.

Na sequência todos foram ao salão, ao lado da igreja, o qual estava lindo com flores do campo.

Os convidados estavam procurando seus lugares. E meu tio, (risos) procurando as suas galochas. O homem que as guardou não estava ali.

Meu pai estava ficando nervoso com o assunto. Falou ao meu tio:

-Pare de perturbar por causa de um par de galocha, se precisar eu lhe compro uma dúzia, mas agora aproveite o casamento de sua sobrinha.

Senti que ele havia se acalmado, mas ainda deixava transparecer sua ansiedade e aborrecimento.

A valsa dos noivos desativou um pouco a ansiedade dele. Todos queriam dançar com a noiva, o padrinho teve a sua vez, é claro. Neste tempo de dança contou à sobrinha o desaparecimento de suas galochas. Ela nem conseguiu ouvir toda a história, pois a música e o som da conversa estavam demasiadamente altos.

Hora de cortar o bolo, que foi feito pela comunidade, as fatias foram sendo distribuídas a todos.

Em toda festa ou reunião de amigos acontece algo inusitado, e neste casamento não podia faltar um fato para marcar a data.

O tio pediu um pedaço bem grande, pois gostava de doce.

Alguém secretamente, arrumou um prato enorme e lhe foi servido uma fatia de bolo dentro de suas galochas. Espanto!

Ele ficou sem graça e não entendeu a brincadeira (de mau gosto). A raiva fez seu rosto ficar muito vermelho. Muitos pararam de dançar para ver o que estava acontecendo. O riso correu solto, pura alegria.

Claro que ele não entendeu o motivo da graça, mas sim viu como humor negro.

A festa de casamento chegou ao final. Meu tio levantou-se bruscamente sob o olhar de todos, pegou as galochas e caminhou a passos largos, lá fora ergueu a mão com as galochas, e com muita força as atirou no rio. Havia bolo nelas e, por isso, ele ficou todo respingado de massa. Olhou-se e antes que começassem a rir dele, começou com uma bela gargalhada.

Ele ainda é vivo, e em cada festa de família o caso é contado. Ele com muita idade não esquece nenhum detalhe. E sempre complementa:

- Jamais usei galochas depois daquele dia fatídico.

4 de fev. de 2023

Lembranças com sabor de café

 


 

 

 

Passavam das 17h. Naquele dia, o frio estava mais intenso do que nos outros dias.

Olhei pela janela da cozinha, algumas folhas secas chocavam-se com as outras, poucos se arriscavam a sair de suas casas para jogar o lixo nas grandes latas colocadas nas calçadas.

Ajeitei um pouco mais o casaco contra o meu corpo, era hora de um café: pensei. Um café quente para mim sempre foi sinônimo de colo e aconchego.

Há um tempo, havia comprado uma pequena caneca esmaltada, de cor vermelha, com um pequeno coador branco fixado a um suporte, dava apenas para uma xícara de café, porém, para mim já era o suficiente. O gosto pelo café passado na hora, era muito particular era como uma bênção na hora exata. A sensação era maravilhosa, pois em instantes, a casa estava tomada por aquele aroma. Simplesmente incrível como uma pequena caneca e um pouco de pó de café podiam rescender pela casa toda.

Sentei-me na cadeira de frente para a janela da cozinha, entre um gole e outro, o aroma me levou para longe e por um momento, em um piscar de olhos, pude ver a minha querida mãe novamente, sentada ali comigo.

Foi dela que adquiri o gosto pelo café passado na hora.

Nossas conversas eram regadas a café e pão quentinho, com manteiga que derretia por todo o pão.

Ficávamos horas conversando, claro que a caneca e o coador eram maiores e de outro material.

Ela com frequência trazia sua cesta com novelos de lã, e sempre perguntava qual a minha cor preferida.

- Para que dessa vez, o que vai tricotar, mãe?

- Vou fazer um gorro, os dias têm sido mais frios, e não quero você reclamando de sinusite, (risos).

Eu apenas revirava os olhos feito criança e bebericava mais um pouco de café, no canto da boca um discreto sorriso, sentia a sensação de que era muito bom ser cuidada, mesmo com a idade que eu já estava.

Entre um ponto e outro, ela sempre olhava para a rua, para ver se o ônibus escolar já estava por perto, meu filho, seu neto, já estava na terceira série do ensino médio, o que significava que sua partida para outra cidade estava próxima. Ele iria estudar fora e teríamos que romper o cordão umbilical, o que com certeza, seria um pouco delicado.

- Mas como está demorando o ônibus! Já são quase seis horas, o que a gente faz?

Ela esperava pelo neto, ansiosamente.

Eu apenas sorria, enchia mais um pouco a caneca dela com café e continuava a ver seus pontos precisos, as agulhas se entrelaçavam rapidamente, dando forma a um novo gorro rosa, com detalhes em verde, já que eu não havia decidido a tempo que cor eu queria.

Eram tardes agradáveis, sinto falta do cheiro do café daquela época, que com certeza, possuía o sabor e aroma muito melhores, pois vinham com o aconchego de mãe.

O calor que trazia o fogão à lenha para a casa, o aconchego à mesa, as conversas com a minha mãe, são quase impossíveis de descrever. Sempre havia assunto, mesmo ela saindo pouco, sendo mais reclusa, ela sabia de tudo e mais um pouco, era incrível isso!

Talvez pelos anos em que ela trabalhou à frente do armazém da família, é... talvez fosse isso.

Olho para a minha pequena caneca, o café já está no fim.

Penso em fazer outro e continuar a divagar pelos anos em que eu conseguia ter a minha companheira comigo, minha querida companheira de café e prosa.

Hoje, o som dos ponteiros do relógio me ensurdece um pouco, ecoa não apenas pela casa, mas em meu coração.

O ônibus já não para aqui em frente de casa, os vizinhos já são outros e as árvores estão secando.

Mas, apesar de tudo o que o tempo vem me tirando, algo ele jamais irá conseguir, o aroma daquele café que eu tomava na companhia de minha mãe.

Levantei e coloquei mais água para ferver, pois seria bom continuar com as lembranças, que o café me trazia.

17 de jan. de 2023

Fogos de artifício

 



 

 

Em uma noite, daquelas típicas de inverno, em que se comemora a festa de São João com fogos e fogueira, havia muita gente na rua, outras nas janelas de suas casas, era uma época em que se soltavam balões. As crianças, ficavam ao longe sob os olhares dos pais, as luzes brilhavam no céu, estouros eram ouvidos a longa distância.

Uma menininha de um ano, fora colocada em sua cadeirinha, junto à janela para poder também, ver o brilho dos fogos e saber o porquê do barulho nas redondezas.

O tempo foi passando, a alegria era uma só, e a pequena criança sem muito entender, parecia querer ir lá fora, e junto festejar, juntava as mãozinhas e aplaudia no ar.

Em um dado momento, a mãe da pequena percebeu um grande clarão, que se fez em sua frente, não entendeu de imediato, e aos poucos tudo foi ficando escuro e o bebê iniciou um choro fortíssimo, a mãe, nada via para justificar tamanha dor nos gritos. Sentiu cheiro de algo queimado, percebeu que a criança apertava desesperada a roupinha contra o pescoço, foi então, que ela notou que um buscapé (peça de fogo de artifício que corre pelo chão, zigue zagueando, e termina em um estampido) estava grudado no pescoço da sua filhinha. Foi um tremendo susto. Nada acalmava a criança que foi levada às pressas, ao hospital. Era um tempo com menos recursos. E, assim começou a luta da pequena que sofria tanto quanto seus pais. O que agravou muito foi ter colado a roupa em uma grande área queimada, a qual ficou grudada na pele dela e, em um local coberto de nervos e dobras. Cada ida ao hospital era como enfrentar a dor da morte. E, assim foi por muito tempo, cada curativo, tudo era arrancado novamente, e continuava em carne viva. Com palavras não se pode registrar a dor da família. O processo de cura foi longo, a alimentação da menina, ficou comprometida, pois ela ainda mamava no peito e não conseguia forças para sugar o leite, a dor a fazia chorar e desistir de pedir o seu "mamá". Após longo período, a vida foi voltando ao normal, mas muito lentamente aí, veio outra preocupação da mãe, a enorme cicatriz que ficaria, e com o crescimento da menina, a marca iria esticar também e, estragaria seu lindo rostinho. Foi um tempo de muito medo, medo de perder a filha, medo das cicatrizes físicas e emocionais. O tempo passou, a cicatriz, por milagre, diminuiu de tamanho, é visível, mas não saiu do lugar, não quis esticar-se na pele da pequena, junto com o crescimento dela. A mãe sempre lhe contou como foi difícil passar esta fase repleta de medos, de choro, de contínuas orações, pedindo a Deus ajuda para aumentar-lhe a fé e a esperança. Sentia-se culpada pelo acontecimento e pelo sofrimento que quase a fez perder sua primeira filhinha.

Os fogos de artifícios não deveriam existir, pois sabemos que eles continuam machucando, mutilando, trazendo sofrimento a muitas pessoas. Hoje, estou aqui refletindo como foi difícil a vida do casal, sem poder curtir o comecinho de vida da primeira filha, penso que todos perderam um bom pedaço de vida, aquele que nos faz voltar alegres para casa, e encontrar nosso bebê batendo palminhas, fazendo festa para nós. Sinto saudades da minha mãe, porque sei o quanto sofreu para me curar, hoje a cicatriz está bem visível, e meu coração cheio de amor e saudades de uma família guerreira, pai e mãe amorosos e sempre presentes.

Observação: A mudança da terceira pessoa para a primeira, no final do texto, foi intencional.

 

 



A carta que nunca chegou

    Tarde cinza, vento forte fazia os galhos das árvores dançarem no jardim. Eu precisava finalizar a mudança que começara há dois anos,...