23 de nov. de 2022

Tempo acelerado, literatura reduzida




Na semana que passou aconteceu um fato extremamente curioso, que me levou a várias interrogações. Pedi a uma amiga que lesse o que eu estava lendo. Ela olhou para mim e com uma fisionomia estranha me disse:- Sério, você quer que eu leia tudo isso, agora, e no papel? 

Pensei que fosse pura brincadeira, pois o texto muito interessante, na minha opinião, era de uma lauda, o que significa umas trinta linhas. Por ser assunto de muito interesse e também conhecido por ela, a leitura lhe traria maiores esclarecimentos ao seu projeto, que estava em andamento. Ela percebeu meu desapontamento e explicou-me que estava com pouco tempo para realizar muitas tarefas. Ela sempre foi uma pessoa ativa na leitura, mas com hábitos digitais mais dominantes, percebi que ela não lia como antes, livros físicos, textos e jornais.

Completou dizendo que perdia menos tempo lendo na internet, e afirmou: o tempo está voando cada vez mais, e completou: aprendi e gostei muito de ler textos condensados. Lembrando que texto condensado é o que foi resumido ao essencial (do conjunto de fatos ou ideias de uma obra). Passei um bom tempo analisando o comportamento e resposta que ela me havia dado. Será que o tempo está mais acelerado ou nossa rotina faz com que a informação recebida já familiar, seja processada mais rapidamente, o que não nos deixa perceber que o tempo passou.

Continuei analisando o fato ocorrido e lembrei-me de que tempos atrás foi me solicitado um conto minimalista. Considerados microcontos: é um texto com início, meio e fim, específico e direto ao ponto, tem como limite inferior 37 letras e 50 palavras de limite superior. Um conto minimalista quando menos é mais. Menos tempo para ler e mais tempo para interpretar? Confesso que tive dificuldade em colocar minhas ideias com tão poucas palavras. 

A literatura minimalista não é novidade, pois já aparecia nas famosas fábulas de Esopo, porém foi a partir da metade do século XX que ganhou força, interesse e visibilidade. Com o avanço da tecnologia de comunicação e o advento das redes sociais, a rapidez do nosso tempo parece pedir justamente a brevidade e velocidade da microliteratura. Será que devido ao tempo, que parece voar vamos usar mais o lema minimalista? 

Menos coisas, mais espaço, menos distrações, mais tempo, menos compromissos, mais disponibilidade, menos projetos, mais produtividade, menos consumo, mais criação, menos bugigangas, mais coisas realmente importantes. Porém, continuamos ouvindo, o tempo está voando, até os cientistas confirmaram uma sensação peculiar dos últimos tempos: o mundo está mais acelerado. 

E não é figura de linguagem. No mês passado, a Terra completou a rotação mais rápida até hoje registrada, encerrando a contagem de 24 horas com 1,59 milissegundos a menos. Li uma matéria, extremamente interessante, que explica que não temos mais um dia de 24 horas e sim de 16 horas. Não vamos nos ater aqui sobre um ligeiro desvio no eixo de rotação do planeta, mas sim sobre a sensação de que ‘o tempo está voando’. “O tempo é uma ilusão. A única razão para o tempo existir é para que tudo não aconteça de uma vez”. Em 2020, as rotações foram completadas mais rapidamente em 28 ocasiões. Será que enquanto o tempo literalmente voa, os textos, poemas, contos, crônicas, notícias e outras formas de literatura tendem a ser de tamanho reduzido?


A carta que nunca chegou

    Tarde cinza, vento forte fazia os galhos das árvores dançarem no jardim. Eu precisava finalizar a mudança que começara há dois anos,...