Veio-me à lembrança um período de minha
infância, quando eu ganhei uma boneca, tinha um vestido de estampa poá, dei-lhe
o nome de Emily. Naquela época, íamos, com meus pais todos os domingos à sessão
de cinema, com direito a dois filmes, e na pressa esqueci minha boneca, na
varanda de nossa casa, é claro que na volta ela havia sumido. Chorei muito,
pois não ganharia outra, com facilidade. A esperança sempre existe, quem sabe
há uma chance de reencontrá-la, mesmo após tantos anos. Questionei-me:
- Poderia
ela ter viajado para conhecer novos mundos, assim como na obra: Kafka e a
boneca viajante?
Pois é,
imaginei Franz Kafka, um dos escritores mais influentes do século XX, envolvido
com o desaparecimento de minha boneca. Eu ficaria famosa, hein!
Dizem que
Kafka ao passear pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina chorando
por ter perdido a sua boneca. Conversou por muito tempo com ela, mas não obteve
êxito. Fez a ela algumas perguntas para amenizar a dor da pequena.
-Como é o
seu nome, garotinha?
Choramingando
ela respondeu:
-Elsi.
O diálogo
continuou.
-Que nome
lindo, onde você mora?
-A sua
boneca tem nome?
-Claro que
tem, é Brígida.
Ele elogiou
o nome da boneca dizendo que era um nome muito forte, e com certeza, ela não
havia se perdido estava por ali, pois ninguém esqueceria uma boneca chamada
Brígida.
Disse a ela
que era ‘carteiro de bonecas’ e havia lembrado que recebera uma carta
endereçada à menina. Não a trazia consigo, pois nem pensava encontrá-la por ali,
e muito menos que ela seria a Elsi, da carta.
Prometeu que
no dia seguinte, traria a carta que sua boneca lhe escrevera. Ficou marcado o
encontro no mesmo lugar e hora.
E, naquela
noite, Kafka passou muito tempo dedicando-se a escrever uma linda carta para
Elsie. Ao chegar ao
parque, ele muito atencioso leu para ela pausadamente, é claro que com a
empostação de voz, deixou o assunto mais emocionante. Na carta, Brígida lhe
contou que estava viajando, e resolveu não avisar, nem se despedir, pois tinha
medo de que, suas ideias fossem impedidas. Contou todas as peripécias que
estava vivendo em sua nova vida, conheceu muitas pessoas, muitos idiomas,
muitos estilos de roupa, tudo era maravilhoso.
Foram três semanas de intensa dedicação de
Kafka para com a pequena, todavia ele se preocupava com o final da história,
pois não sabia como seria, e como ajudaria a menina sem magoá-la.
Após três
semanas, Kafka avisa Elsi que sua boneca estava voltando de sua aventura pelo
mundo, planejou como faria, organizou um plano, comprou uma boneca, mas como
não conhecia a boneca que sumiu, precisou escrever uma carta repleta de
histórias, para que ela pudesse
acreditar que era a mesma, que havia voltado.
Na manhã
seguinte, ao encontrar-se com a menina ele lhe entregou a boneca, dizendo:
-Tome a sua boneca,
ela está muito feliz em voltar.
É claro que
ela relutou em chegar perto da boneca e foi logo dizendo em alto e bom tom:
-Esta não é
a minha boneca.
Difícil
situação para o nosso escritor. O que fazer? Agiu rapidamente e disse:
-Há uma
última carta que vou ler a você.
Leu com
muita propriedade, o que ele próprio havia escrito, contou que sua boneca havia
se transformado com tantas viagens, que fizera ao redor do mundo, havia ficado
mais estilosa e mais atraente, mais educada, contou que até um namorado havia
deixado, mas era passado, veio para viver junto com Elsi.
E assim, Franz
Kafka deixou a menina com um largo sorriso e a boneca nos braços.
Posso além disso, ter a esperança de que,
minha boneca de vestido com estampa de poá, também esteja viajando por alguns
países, e quem sabe já arrumou um noivo e nem possa voltar. Esta ideia é
preferível, a pensar que perdi para sempre, a minha querida Emily. Sempre temos
a opção de escolha para sermos felizes.