27 de fev. de 2021

Minha boneca viajante

 

 


 

   Veio-me à lembrança um período de minha infância, quando eu ganhei uma boneca, tinha um vestido de estampa poá, dei-lhe o nome de Emily. Naquela época, íamos, com meus pais todos os domingos à sessão de cinema, com direito a dois filmes, e na pressa esqueci minha boneca, na varanda de nossa casa, é claro que na volta ela havia sumido. Chorei muito, pois não ganharia outra, com facilidade. A esperança sempre existe, quem sabe há uma chance de reencontrá-la, mesmo após tantos anos. Questionei-me:

- Poderia ela ter viajado para conhecer novos mundos, assim como na obra: Kafka e a boneca viajante?

Pois é, imaginei Franz Kafka, um dos escritores mais influentes do século XX, envolvido com o desaparecimento de minha boneca. Eu ficaria famosa, hein!

Dizem que Kafka ao passear pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina chorando por ter perdido a sua boneca. Conversou por muito tempo com ela, mas não obteve êxito. Fez a ela algumas perguntas para amenizar a dor da pequena.

-Como é o seu nome, garotinha?

Choramingando ela respondeu:

-Elsi.

O diálogo continuou.

-Que nome lindo, onde você mora?

-A sua boneca tem nome?

-Claro que tem, é Brígida.

Ele elogiou o nome da boneca dizendo que era um nome muito forte, e com certeza, ela não havia se perdido estava por ali, pois ninguém esqueceria uma boneca chamada Brígida.

Disse a ela que era ‘carteiro de bonecas’ e havia lembrado que recebera uma carta endereçada à menina. Não a trazia consigo, pois nem pensava encontrá-la por ali, e muito menos que ela seria a Elsi, da carta.

Prometeu que no dia seguinte, traria a carta que sua boneca lhe escrevera. Ficou marcado o encontro no mesmo lugar e hora.

E, naquela noite, Kafka passou muito tempo dedicando-se a escrever uma linda carta para Elsie. Ao chegar ao parque, ele muito atencioso leu para ela pausadamente, é claro que com a empostação de voz, deixou o assunto mais emocionante. Na carta, Brígida lhe contou que estava viajando, e resolveu não avisar, nem se despedir, pois tinha medo de que, suas ideias fossem impedidas. Contou todas as peripécias que estava vivendo em sua nova vida, conheceu muitas pessoas, muitos idiomas, muitos estilos de roupa, tudo era maravilhoso.

 Foram três semanas de intensa dedicação de Kafka para com a pequena, todavia ele se preocupava com o final da história, pois não sabia como seria, e como ajudaria a menina sem magoá-la.

Após três semanas, Kafka avisa Elsi que sua boneca estava voltando de sua aventura pelo mundo, planejou como faria, organizou um plano, comprou uma boneca, mas como não conhecia a boneca que sumiu, precisou escrever uma carta repleta de histórias, para que  ela pudesse acreditar que era a mesma, que havia voltado.

Na manhã seguinte, ao encontrar-se com a menina ele lhe entregou a boneca, dizendo:

-Tome a sua boneca, ela está muito feliz em voltar.

É claro que ela relutou em chegar perto da boneca e foi logo dizendo em alto e bom tom:

-Esta não é a minha boneca.

Difícil situação para o nosso escritor. O que fazer? Agiu rapidamente e disse:

-Há uma última carta que vou ler a você.

Leu com muita propriedade, o que ele próprio havia escrito, contou que sua boneca havia se transformado com tantas viagens, que fizera ao redor do mundo, havia ficado mais estilosa e mais atraente, mais educada, contou que até um namorado havia deixado, mas era passado, veio para viver junto com Elsi.

E assim, Franz Kafka deixou a menina com um largo sorriso e a boneca nos braços.

  Posso além disso, ter a esperança de que, minha boneca de vestido com estampa de poá, também esteja viajando por alguns países, e quem sabe já arrumou um noivo e nem possa voltar. Esta ideia é preferível, a pensar que perdi para sempre, a minha querida Emily. Sempre temos a opção de escolha para sermos felizes.

9 de fev. de 2021

A Influência da Leitura

 



      O sol ainda não havia surgido e a pequena Laura já estava de pé, morava no bairro e estudava no centro da cidade, não havia meios de transporte para levá-la, sabia do seu compromisso e levantava cedo, preparava o seu café, pegava seu material escolar, tudo pronto na noite anterior, era muito responsável, os pais não precisavam cuidar do seu horário. Ela corria esperar as coleguinhas que passavam para irem juntas, eram em cinco, iam pela linha do trem até perto da escola. Naquela época a Maria Fumaça ainda era a senhora dos trilhos.

    As meninas não tinham medo de tempo feio, nem a chuva fazia com que elas perdessem a vontade de estudar, iam com suas galochas sobre a conga, pois não havia tênis ainda, capas de chuva e assim chegavam sem quaisquer resquícios da chuva. A biblioteca da escola era excelente, havia muitas coleções, muitos volumes.  Laura se destacava nas leituras, pois em pouco tempo havia lido a maioria dos livros da Coleção Vaga-Lume.

    Um dos primeiros da coleção foi "Éramos Seis", da autora Maria José Dupré, a bibliotecária admirava a constância com que a menina relia essa obra, ela conseguia ler quase que um por semana, era uma leitora admirável. Quando ela leu a obra ”Sozinha no Mundo”, do autor Marcos Rey, ficou extasiada, a cada intervalo de aula ela vinha comentar o que tinha lido sobre a menina Pimpa, personagem da estória, e que estava desprotegida sem a mãe.

   O reboliço cultural aconteceu quando ela estava lendo “O Escaravelho do Diabo”, da autora Lúcia Machado de Almeida, quis pesquisar em vários livros para ter a certeza de que um simples besouro, inseto que ela gostava, estava envolvido em uma trama tão sórdida. Laura era assim mesmo, cheia de sonhos e a leitura a fazia viver em outros mundos.

   Em casa, a menina tinha muitas tarefas para fazer, e ainda auxiliava a mãe no serviço da casa, fazia tudo com muito cuidado, e a mãe a ensinava tudo que era necessário para ela saber se defender na vida. À noite, Laura tinha um bom tempo para ler, porém havia horário para dormir, pois sabia que levantar cedo era difícil, e quando o inverno chegava, na região sul, o frio era sempre rigoroso. Tinha bons agasalhos, mesmo assim, o ar gelado transpassava a roupa.

    Na escola, era muito estudiosa, estava sempre em dia com as tarefas e suas notas eram excelentes.

Escrevia muito bem, criava belas estórias, burilava as palavras de uma maneira tão especial que as transformava em poesia. Havia uma professora que a chamava de “minha tracinha de livros”, penso que não existe o diminutivo desse inseto, traça, mas ficou mais carinhoso, pois ela comia livros.

O último livro que Laura leu enquanto estudava naquela escola foi, “O Mistério da Ilha Perdida”, ela chegou a organizar um teatro com o grupo de amigas. Foi um sucesso, o tempo de estudante dela foi como uma história sem fim.

 Seguiu os estudos e fez cursos para trabalhar em bibliotecas.

      Hoje, Laura trabalha como bibliotecária e escreve livros.


A carta que nunca chegou

    Tarde cinza, vento forte fazia os galhos das árvores dançarem no jardim. Eu precisava finalizar a mudança que começara há dois anos,...