Aquele dia ela resolveu fazer a faxina do ano
Do ano retrasado, mas antes tarde do que nunca
Sempre deve-se começar no quarto
Esvaziar as gavetas
Tantas roupas compradas e ainda com etiquetas
Maldito capitalismo selvagem!
Tantos pares de sapatos, casacos, jaquetas, blusas, saias,
vestidos...
Que seriam necessárias duas novas vidas para serem usados
Abriu a caixa de papelão e ligou o botão automático
As roupas foram caindo, sapatos, casacos, blusas, uns sobre
os outros
Sem olhar muito, sem maiores lembranças daqueles tecidos ou
cores
Levaria para o Abrigo na rua das Flores, atrás da Igreja da
Getúlio com a 24 de Maio
A caixa foi enchendo, o guarda-roupa esvaziando
Deixaria apenas o necessário, talvez dois vestidos pretos,
para enterros ou casamentos ( que para ela era como enterro )
Lá no fundo, quase imperceptível, um velho moletom
Ao tocá-lo, a maciez daquele velho pano entre seus dedos,
obrigando-a a fechar os olhos
E voltar no tempo...
Aquela terça feira de dezembro, cinzenta, fria...
Eram 4h. da manhã
Acabara de voltar da festa de fim de ano do trabalho, aquela
que só fora porque ficara chato dizer não pelo 5º. ano consecutivo
Tomara um banho quente, vestira o moletom e deitou-se
O telefone tocara quebrando o silêncio ensurdecedor daquela
noite
Seu coração acelerado, tateou no escuro o aparelho
Um fio de voz do outro lado, sôfrego, dizia que sentia
saudades
Ela não respondeu nada
As lágrimas rolaram, encharcando o aparelho
Ela só queria correr e abraçar seu amor
Voltar para o tempo em que se amaram sem pudor, em que se
entregaram como se fossem uma só alma
Mas o tempo era cruel, e não permitia voltas
Do outro lado a ligação fora encerrada, mas ela ainda ficara
um tempo ouvindo o “tum-tum” do telefone, que já ritmava com o seu coração
Abriu os olhos, estava novamente em seu quarto, em frente ao
guarda roupa, segurando entre os dedos o velho moletom
Ela não queria mais essas lembranças em sua vida, ela queria
recomeçar mas seu coração sempre a traia e trazia de volta lembranças boas de
um bom tempo
Aquele moletom que estava sobre a poltrona da sala,
embrulhado em um pacote pardo, envolto a um laço vermelho
E acompanhado de um pequeno bilhete: “para quando eu estiver
longe, vista-o e sinta-me abraçando-a com todo o meu amor”
O presente mais simples e mais belo que ganhara
Depois do telefonema, fora retirado de sua vida
definitivamente, colocado em um canto qualquer do guarda roupa, mas não jogado
fora
Jogá-lo fora era impossível, não se joga fora um amor
Fechou a caixa, lacrou-a, no outro dia a levaria para o abrigo
Deitou-se na cama, braços sob a cabeça, olhar fixo no teto
Filmes curtos passando em sua mente, como podia um velho
pano trazer tantas lembranças em seus fios?
Ela queria esquecer
Ela queria cantar novamente, sorrir, entregar-se por
completo
Ligar e dizer com todas as sílabas: eu esqueci você
Mas isso seria impossível, sentia-se fraca diante de tanto
sentimento
Só de lembrar do sorriso, do cheiro, do abraço, do motivo do
moletom
Seu corpo arrepiava
Vestiu sua melhor roupa, seu melhor calçado
Perfumou-se
Passou em uma livraria, comprou o papel mais bonito, e
embrulhou o moletom
Tocou a campainha duas vezes, apenas
Olhos nos olhos
Estendeu o pacote
- Esta noite está fria, você vai precisar disso
Ao fundo, no aparelho da sala, pôde ouvir Clarice Falcão:
“ polícias abaixem as armas, e troquem carícias, que a gente
voltou”
... porque só se ama uma vez na vida.
mb
Bom dia e excelente Domingo
ResponderExcluirExcelente historia, gostei de ler
beijos
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/
Olá Cidália, obrigada pela visita e avaliação do meu texto. Desejo a você uma excelente semana!
ExcluirBeijos!
Relacionamentos são complicados, penso ser porque nós mesmos complicamos. Somos egoístas em nossas ideias e, muitas vezes, não abrimos mão. E isso acarreta problemas, desilusões, términos. O amor deve falar sempre mais alto, mas os sentimentos controversos sempre acabam vencendo. Ótimo texto, não há como não recordar alguma história incompleta. E as lembranças vêm, sejam em moletons usados, ou bilhetes.
ResponderExcluirAbraços do amiguinho camarada.
Olá Gasparzinho, ah! relacionamentos ...
ExcluirDeixam-nos arrasados, às vezes, somos nós sempre egoístas e irracionais. E com certeza, em nossas vidas há o que recordar mesmo que seja em um simples bombom.
Obrigada! Grande abraço!
Limerique
ResponderExcluirQuando se abre o bau de lembrança
Talvez olhando o tempo de criança
Ou de certo amor passado
Que não ficou ao nosso lado
É como sozinho iniciar uma dança.
Olá Jair , o poeta de Limerique. Como sempre você surpreende em suas respostas com um lindo Limerique. Tentei escrever um,mas não sou poeta e sim copiadora rsssssss. Obrigada pela amável presença personificada em tão belos versos. Abraço!
ResponderExcluirBOA TARDE MINHA FLOR !
ResponderExcluirSEUS TEXTOS ME DAR RAZÕES SEMPRE PARA UMA BOA REFLEXÃO.TEM MUITA SENSIBILIDADE E VC TRANSMITE EM CADA ESCOLHA QUE FAZES PARA POSTAR...
DEIXO MEU BEIJO DE FINAL DE SEMANA !!!!!!!!!!!!!!!!!!!
SAUDADESSSSSSSSS
Ler um conto onde o amor vence é inspirador. Pode-se jogar o supérfluo fora, sem tristeza, mas não se abandona um sentimento que ainda nos faz vibrar. Bjs.
ResponderExcluirOlá Marli, bela postagem, conto muito bem escrito, Parabéns!! Falar de amor é lindo e como você escreve, perfeito.
ResponderExcluirGrata pela visita e por deixar comentário. Volte sempre aquele cantinho é nosso. Bjuss, um lindo final de semana.