Para falar em ferrovia, temos que falar da
máquina de ferro. A maioria das pessoas viajava de trem, o povo,
personalidades, autoridades, claro que havia a primeira e segunda classe. Na
minha adolescência, o apito do trem significava muitas coisas, primeiro a
alegria da chegada de cargas, pessoas, correspondências. Eu morava próximo à
linha do trem, ouvia-o a distância, e, muitas vezes, juntamente com amiguinhos
que por ali residiam, ouvíamos, e só quem ouviu vai entender esta onomatopeia:
piui! piui!
O apito
servia como marcador de tempo ou até instrumento para avisar a população sobre
alguma calamidade; como relógio, as pessoas sabiam de onde vinha o apito e
calculavam a hora do dia, e, quando o último sibilar acontecia, todos sabiam
que era tempo de silenciar e repousar. Na enchente de 8 de julho de 1983, a
Maria-Fumaça se pôs a acordar os moradores para que se salvassem do aguaceiro e
auxiliassem seus amigos. Interessante lembrar o poema de Manuel Bandeira, “Trem
de Ferro”, o qual usei com um grupo de crianças para fazermos o barulho das
rodas nos trilhos de ferro. A escolha das palavras e repetição do verso “Café
com Pão”, “Café com Pão”, a sonoridade das palavras do verso, produziam uma
sequência de sons que nos reportavam ao barulho proveniente do deslocamento de
uma locomotiva sobre os trilhos. O guarda-chaves manobrava os desvios e
entroncamentos dos trilhos, trabalho importante e de grande responsabilidade, e
quando o trem se aproximava de um trilho com outro destino, a máquina de ferro
simplesmente deslizava feito serpente, à outra linha. Em tempos de chuva ele
usava uma enorme capa para se proteger. Foram tempos repletos de alegria,
víamos vagões com ripamentos separados por grandes frestas para o ar entrar,
eram os vagões gaiolas, pois viajavam carregados de animais, e sempre havia
alguma pessoa meio dependurada; era o guarda-freios, responsável por vigiar e
manobrar os freios dos vagões segundo instruções do maquinista, e cuidava para
que tudo ficasse bem. Os vagões que transportavam madeira iam totalmente
abertos. A Estação ainda hoje é um marco histórico, foi inaugurada em 1942, um
pátio apenas, de um lado, Porto União, SC, e de outro, União da Vitória, PR.
Quem descia do trem e precisava atravessar para o outro Estado passava por um
túnel, que na época fervilhava a imaginação das crianças. Era uma atração, aos
domingos, passear com os pais e atravessar pelo túnel. Acima de nossa cabeça o
enorme relógio, o som do sino da estação se sobrepunha aos outros, quase nada
se ouvia a não ser o maravilhoso rebimbar do bronze, que era tocado pelo agente
do trem, avisando a saída, era hora de embarcar. Ele usava um quepe que o
diferenciava dos outros funcionários, pela cor. A plataforma era imensa e
repleta de pessoas que iam e vinham. A ferrovia sempre teve muita importância
para o Brasil e demais países, e nossas cidades estavam sempre em segundo lugar
em faturamento, até 1970, a partir de quando, infelizmente, começou a declinar
até o total abandono.
A Maria-Fumaça, a famosa 310, ainda é a
atração em nossas cidades. Houve momentos de glória, quando ela foi posta em
movimento e fazia viagens turísticas até a Estação de Engenheiro Melo. Ao
chegarmos, tudo estava bem organizado e alguns vendedores locais aproveitavam a
chegada de cada jornada para vender os seus quitutes, havia de tudo. Com
certeza, a 310 vai voltar aos trilhos, para nos levar e matar a saudade de
viagens maravilhosas, verdadeira aventura dentro do vagão de passageiros.
Com onze anos de idade, fiz uma viagem de
trem até Ponta Grossa, eram quatro lugares, assentos virados de frente para
podermos conversar. O chefe de trem, bem uniformizado, passava pelos bancos,
para conferir se tudo estava correto, e picotava as passagens, havia um senhor
de quepe de cor cáqui, que vendia guloseimas, às vezes ficava sentado na última
poltrona do trem. Fantástico lembrar o balanço do trem, o barulho da fricção
dos trilhos, a alegria de todos, a
paisagem que podíamos observar emoldurada através da janela: colinas,
planícies, rios, lagos, casas, animais, o trem viajava vagarosamente,
literalmente arrastando-se sobre os trilhos, serpenteando rios, colinas, e
nossos olhos tudo gravavam, pois a máquina de ferro não corria, o que era
ótimo. Podíamos ver, nos trilhos paralelos, os turmeiros, como os conhecíamos
na época, iam de um trecho a outro de vagonete, movido por eles mesmos. Com seus braços fortes faziam a troca de
dormentes, limpavam os trilhos, juntavam as pedrinhas que sempre se espalhavam
além da linha, era uma equipe de funcionários permanente no serviço.
Os trilhos do trem ainda hoje representam
uma viagem possível, mesmo na imaginária.
É sempre bom recordar o que foi realmente bom. Adorei :))
ResponderExcluirBjos
Votos de uma óptima Quinta-Feira
Pena que quase só imaginária essa viagem...Nossos trilhos foram retirados nesse país que não pensa em progredir e avançar! Tenho lindas recordações dos trens, trilhos e estações! Gstei de ler! bjs, chica
ResponderExcluirBoa tarde!
ResponderExcluirParabéns pelo fantástico texto!! Amei!
Beijo e um excelente dia!
Boa tarde, colega Marli!
ResponderExcluirRecordações especiais. Aqui onde moro, tem uma Maria Fumaça que é famosa, a "Cecília". Ela fica exposta lá no centro da cidade.
Pra nós mineiros, a palavra "trem", além de referir-se ao meio de transporte, também serve pra denominar qualquer coisa. Comer um trem, lavar uns trens, um trem no olho, um trem estranho, um trem no coração, trem ruim mastigado e por aí vai. :)
Ei, moça!
Tem postagem nova no meu blogue. Passe por lá pra conferir, você vai gostar.
Ficarei feliz com tua visitinha e comentário, sempe tão gentis.
Grande abraço pra você! :)
Maravilhoso texto.
ResponderExcluirMuitos parabéns!
Bom fim de semana.
Bj
Olhar d'Ouro - bLoG
Olhar d'Ouro - fAcEbOOk
Adoro comboios. Este seu texto maravilhoso tem tudo o que a minha memória também guarda. Gostei imenso de a ler.
ResponderExcluirUm bom fim de semana.
Um beijo.
Marli,
ResponderExcluirQue viagem maravilhosa
que seu texto nos proporciona!
Diz uma grande viagem de trem
aos meus 5 anos, foi de SP ao RJ.
Vejo com tristeza que na atualidade
muitas e a maioria das estações
andam desativadas e abandonadas
e muitas linhas (90%) desativadas.
É bom relembrar e aqui onde vivo
no ES/Brasil trmos um museu ferroviario e algumas linhas funcionando, inclusive a que
segue daqui para MG e vice e versa.
Grata pelo compartilhar.
Bjins
CatiahoAlc.
Era um passeio tão gostoso...
ResponderExcluirbjokas e uma feliz quinta =)
Oi Marli,
ResponderExcluireu tive a felicidade de andar muito de trem,inclusive o trem de prata entre Rj e Sp!
Tempos maravilhosos.
Um abração carioca.
Em Portugal também há ferrovias e estações abandonadas. Com o tempo tornaram-se uma fonte de prejuízos incomportáveis...
ResponderExcluirMas, para quem viu ou viajou em comboios com máquinas a vapor, há muita saudade que mesmo com iniciativas turísticas não desaparecem.
Os apitos dos comboios, na época do vapor, era não só uma referência horária como também uma indicação para a previsão do tempo...
Excelente crónica, parabéns.
Amiga Marli, tenha um bom fim de semana.
Beijo.
Ótima essa tua crônica, Marli! O trem nos parece ainda algo ainda encantador, mesmo que muitas linhas não existam mais. As estações ainda conservam aquele ar nostálgico. O único trem que andei foi da Alemanha à Paris. Aqui no Brasil não recordo, acho que nunca andei. que belas recordações guardamos da nossa infância e juventude! Tenho saudades dos bondes, esses sim, milhares por esse Brasil afora.E que bom quando conseguimos colocar em crônicas, marcando época. Gostei muito, amiga, aliás gosto de todas tuas crônicas!
ResponderExcluirBeijo grande!
Uma ótima semana.
Alcancei essa época da Maria Fumaça, Marli; de trem, fiz muitas viagens inesquecíveis, e dos bondes também sinto saudades! Belo post, boa semana
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