A curiosidade me deixou obstinada para saber mais sobre a história de duas mulheres que foram confundidas por muitos anos, a escritora gaúcha Maria Benedita Câmara (1853-1895), conhecida como Délia e a escritora Maria Firmina dos Reis (1822-1917), da cidade do Maranhão. Entre as duas escritoras há a grande obra “Úrsula, 1854”. Não há explicação para que a autora de “Úrsula”, que hoje é considerado o primeiro romance afro-brasileiro, uma obra pioneira da literatura antiescravagista do Brasil foi confundida com outra escritora, que era gaúcha. “Úrsula” foi publicada no período do Romantismo, e é apontada por uma visão marcante no que se refere ao discurso das minorias no século XIX, há a inovação de um discurso que rompe com a tradicional visão do negro revelada nos romances da época. Maria Firmina foi um exemplo de mulher que teve acesso à educação, mesmo sendo afro-brasileira, pode-se afirmar que a educação foi a forma encontrada para que a autora manifestasse sua visão crítica à sociedade em que vivia. Essa obra foi um ótimo instrumento para que a autora denunciasse as injustiças praticadas livremente em uma sociedade autoritária e patriarcal que, no Brasil, era percebida por alguns intelectuais e, sobretudo, pelas minorias mais afetadas, como o negro e a mulher, e mais pelo fato deste precursor ter partido de uma mulher afrodescendente, e foi o primeiro livro brasileiro a se posicionar contra a escravidão e a partir do ponto de vista de escravos – antes mesmo do famoso poema Navio negreiro, de Castro Alves (1869), e de A Escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães. Com o passar dos anos, tendo apenas um livro publicado, o nome de Firmina desapareceu, a causa do desconhecimento com certeza foram as denúncias e críticas. “O assunto de que tratava era insalubre demais, uma fala antiescravista em uma das províncias mais escravistas do Brasil. Não a levaram a sério localmente, não queriam ouvi-la falando. E ela não teve como levar seu texto para outros lugares.” Maria Firmina foi esquecida por décadas, sua obra só foi recuperada em 1962 pelo historiador paraibano Horácio de Almeida em um sebo no Rio de Janeiro – e, hoje, seu rosto verdadeiro continua desconhecido: nos registros oficiais da Câmara dos Vereadores de Guimarães está uma gravura com a face de uma mulher branca, retrato inspirado na imagem da escritora gaúcha, com quem Firmina foi confundida na época. O busto da escritora no Museu Histórico do Maranhão também a retrata “embranquecida”, de nariz fino e cabelos lisos, e Maria Firmina dos Reis era mulata, bastarda e não pertencia a uma família opulenta, e foi a primeira voz feminina que registrou a temática do negro com a publicação da obra Úrsula. Esta obra foi editada pela primeira vez em 1854 em São Luís do Maranhão, assinada pelo pseudônimo de “Uma Maranhense”, um recurso bastante utilizado no século XIX, principalmente entre as mulheres e por isso, ela enfrentou o esquecimento da sua obra. Interessante observar que a população de Guimarães sabia que o quadro não era de Maria Firmina, porém ninguém ousava retirá-lo da parede porque fora doado por uma pessoa de grande importância. A professora Régia Agostinho, visitou a cidade de Guimarães, em 2012 durante um trabalho de pesquisa para a sua tese de Doutorado sobre a escritora, e, em 2013 após concluir sua tese voltou à cidade e o quadro havia sido retirado, e como Maria Firmina não deixou nenhum retrato ou desenho de sua pessoa, o engano perdura. Ainda do nascimento até a publicação de Úrsula, em 1854, há várias lacunas, inclusive foram encontradas duas datas para a obra “Úrsula” 1854 e 1859. Um fato extremamente interessante quando Maria Firmina foi aprovada em concurso público, em 1847 para professora de primário, cargo que exerceu até se aposentar em 1881. No momento de receber o título, Maria Firmina se recusou a ser levada sentada em um tipo de madeira sobre o ombro de escravos, uma tradição na época. "Negro não é animal para se andar montado nele", teria dito, e foi a pé. Há muito a ser pesquisado sobre a história dessa escritora, sua obra com 244 páginas, que registra um emocionante romance afro-brasileiro. Ela morreu aos 92 anos, cega, pobre e sem a exaltação merecida.
30 de nov. de 2020
Escritora afro-brasileira saindo do anonimato
A curiosidade me deixou obstinada para saber mais sobre a história de duas mulheres que foram confundidas por muitos anos, a escritora gaúcha Maria Benedita Câmara (1853-1895), conhecida como Délia e a escritora Maria Firmina dos Reis (1822-1917), da cidade do Maranhão. Entre as duas escritoras há a grande obra “Úrsula, 1854”. Não há explicação para que a autora de “Úrsula”, que hoje é considerado o primeiro romance afro-brasileiro, uma obra pioneira da literatura antiescravagista do Brasil foi confundida com outra escritora, que era gaúcha. “Úrsula” foi publicada no período do Romantismo, e é apontada por uma visão marcante no que se refere ao discurso das minorias no século XIX, há a inovação de um discurso que rompe com a tradicional visão do negro revelada nos romances da época. Maria Firmina foi um exemplo de mulher que teve acesso à educação, mesmo sendo afro-brasileira, pode-se afirmar que a educação foi a forma encontrada para que a autora manifestasse sua visão crítica à sociedade em que vivia. Essa obra foi um ótimo instrumento para que a autora denunciasse as injustiças praticadas livremente em uma sociedade autoritária e patriarcal que, no Brasil, era percebida por alguns intelectuais e, sobretudo, pelas minorias mais afetadas, como o negro e a mulher, e mais pelo fato deste precursor ter partido de uma mulher afrodescendente, e foi o primeiro livro brasileiro a se posicionar contra a escravidão e a partir do ponto de vista de escravos – antes mesmo do famoso poema Navio negreiro, de Castro Alves (1869), e de A Escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães. Com o passar dos anos, tendo apenas um livro publicado, o nome de Firmina desapareceu, a causa do desconhecimento com certeza foram as denúncias e críticas. “O assunto de que tratava era insalubre demais, uma fala antiescravista em uma das províncias mais escravistas do Brasil. Não a levaram a sério localmente, não queriam ouvi-la falando. E ela não teve como levar seu texto para outros lugares.” Maria Firmina foi esquecida por décadas, sua obra só foi recuperada em 1962 pelo historiador paraibano Horácio de Almeida em um sebo no Rio de Janeiro – e, hoje, seu rosto verdadeiro continua desconhecido: nos registros oficiais da Câmara dos Vereadores de Guimarães está uma gravura com a face de uma mulher branca, retrato inspirado na imagem da escritora gaúcha, com quem Firmina foi confundida na época. O busto da escritora no Museu Histórico do Maranhão também a retrata “embranquecida”, de nariz fino e cabelos lisos, e Maria Firmina dos Reis era mulata, bastarda e não pertencia a uma família opulenta, e foi a primeira voz feminina que registrou a temática do negro com a publicação da obra Úrsula. Esta obra foi editada pela primeira vez em 1854 em São Luís do Maranhão, assinada pelo pseudônimo de “Uma Maranhense”, um recurso bastante utilizado no século XIX, principalmente entre as mulheres e por isso, ela enfrentou o esquecimento da sua obra. Interessante observar que a população de Guimarães sabia que o quadro não era de Maria Firmina, porém ninguém ousava retirá-lo da parede porque fora doado por uma pessoa de grande importância. A professora Régia Agostinho, visitou a cidade de Guimarães, em 2012 durante um trabalho de pesquisa para a sua tese de Doutorado sobre a escritora, e, em 2013 após concluir sua tese voltou à cidade e o quadro havia sido retirado, e como Maria Firmina não deixou nenhum retrato ou desenho de sua pessoa, o engano perdura. Ainda do nascimento até a publicação de Úrsula, em 1854, há várias lacunas, inclusive foram encontradas duas datas para a obra “Úrsula” 1854 e 1859. Um fato extremamente interessante quando Maria Firmina foi aprovada em concurso público, em 1847 para professora de primário, cargo que exerceu até se aposentar em 1881. No momento de receber o título, Maria Firmina se recusou a ser levada sentada em um tipo de madeira sobre o ombro de escravos, uma tradição na época. "Negro não é animal para se andar montado nele", teria dito, e foi a pé. Há muito a ser pesquisado sobre a história dessa escritora, sua obra com 244 páginas, que registra um emocionante romance afro-brasileiro. Ela morreu aos 92 anos, cega, pobre e sem a exaltação merecida.
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Que interessante e como é bomler e ter curiosidade.Que bom seja feita justiça com a saída do anonimato e consequente destaque à ela. beijos, lindo dezembro,chica
ResponderExcluirMarli, que bela postagem! Confesso que não havia ouvido, anteriormente, o nome da escritora, totalmente desconhecida para mim. Infelizmente, pouco restou dela além da obra que mencionou. Lamento que tantas vozes cheias de verdade e de história fiquem no silêncio do desconhecimento, sem o mérito que lhes seria devido. Bjs.
ResponderExcluirNuma breve passagem - com mensagem colada - a fim de poder chegar a todos. Desejando que todos se encontrem bem de saúde. Obrigada a todos por não me terem “abandonado” Voltando, conforme o tempo me permitir. :)
ResponderExcluir--
“ Liberdade hipócrita ”
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Beijo e um excelente Fim de Semana;-Prolongado.
A minha mãe chama-se ... Úrsula ...e ter ficado fascinado assim que comecei a ler. Oxalá o anonimato fique na gaveta e o sucesso surja.
ResponderExcluirFeliz fim de semana.
Que postagem feliz, querida Marli, nunca havia escutado coisa igual. São as injustiças que ficam para sempre, outras são salvas pelos caminhos da vida. E essa está sendo, está se tornando cada vez mais conhecida, para o bem da verdade e da nossa História.
ResponderExcluirAplausos para sua postagem!
Beijo, uma boa semana!
Quantos artistas que, no anonimato,
ResponderExcluirSucumbem com sua obra referência,
Porém essa escritora, em essência
Foi apagada; e sua obra, de fato,
Permaneceu como o fiel retrato
Da própria autora confundida, até,
Em vã suposição - de boa fé?
Ah, vil mundo de vis preconceitos...
Mas ora, quer de fato e direitos,
A imortalidade dela está de pé!
Gratidão por palavras elogiosas a mim dirigida com tanta generosidade e carinho! Sua postagem está maravilhosa. Parabéns! Abraço cordial! Laerte.
Gostei de saber da existência da escritora afro-brasileira, Maria Firmina dos Reis e do romance "Úrsula" de 1854. Obrigada por partilhar.
ResponderExcluirUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Olá, Marli Teresinha, não conhecia essa escritora de vanguarda, que certamente encontrou dificuldades para levar adiante essa sua missão de escritora, justamente sendo ela uma das partes mais fracas numa sociedade machista, preconceituosa e com o ranço escravagista. Sem dúvida, uma escritora heroína que deixa um exemplo para ser seguido por mulheres de sua etnia.
ResponderExcluirParabéns pelo excelente trabalho, Marli.
Uma boa semana com saúde para a família.
Um abraço.
Oi, Marli. Tão bom chegar aqui e conhecer essa nova escritora. Obrigada, viu!
ResponderExcluirbeijos
http://ludantasmusica.blogspot.com/
Como é que uma escritora que foi capaz de escrever o primeiro livro no Brasil contra a escravatura pode ser esquecida durante tantos anos?
ResponderExcluirImperdoável mesmo.
Continuação de boa semana, querida amiga Marli.
Beijo.
Olá, querida Marli!
ResponderExcluirUm texto mto bem escrito e com informações, que eu desconhecia, totalmente.
Como foi possível o desconhecimento dessa escritora que tudo fez para contrariar o sistema? Há situações que não conseguimos entender.
Que seu exemplo esteja sendo seguido por outras mulheres, que dizem NÃO à escravatura, preconceito, tirania e homofobia.
Beijos e um abraço. Mta saúde para você.