27 de ago. de 2021

O mais doce perfume

Naquela tarde gelada, fui convidada por um amigo de longa data para um café, que foi regado a lindas histórias sobre a vida. A história que deu início a nossa conversa foi sobre seu pai, uma longa conversa. Eu pensei que o conhecia, porém ao ouvir seu mais comovente relato, resolvi compartilhá-la. Ignoro o porquê de não saber algo tão marcante na vida e lembrança do meu amigo. Contou que o pai era um excelente entalhador, esculpia verdadeiras obras de arte em qualquer móvel de madeira, muitos deles ainda fazem parte da vida de algumas famílias, pois o entalhe era feito sempre em madeira de lei por ser madeira dura. Fazia a escultura que lhe pedissem em móveis fantásticos, tinha um dom maravilhoso, era abençoado. Recordou, penso que devido ao imenso e atípico frio do momento, das tardes frias, quando ia com seu papai à fábrica, ia na parte traseira da bicicleta, havia um travesseirinho para que ficasse mais confortável. O frio era imenso, por isso ele usava as costas de seu pai como barreira para espantar o vento gelado que parecia cortar sua pele. Falou que recordava do cheiro, que vinha da roupa dele enquanto encostava o nariz em suas costas, era uma mistura de serragem com uma certa umidade do ar, aroma que continua sendo inesquecível, não há comparação com nenhuma fragrância que conhecia, comentou ele. Perguntei que idade ele tinha naquela época. Respondeu-me rapidamente, sem pensar. -Eu tinha cerca de quatro anos, lembro-me bem, pois minhas pequenas pernas abraçavam com dificuldade a garupa da bicicleta, meus braços curtos não conseguiam abraçar a cintura dele por completo, então meus dedos agarravam seu casaco com tanta força que minhas digitais ficavam ali por muito tempo. Minha mãe estava sempre trabalhando, por isso achavam melhor eu ficar com papai, o que lhe era permitido. Contou-me os vários motivos que o faziam ir com seu pai, à fábrica. Disse-me com orgulho que ele era um marceneiro muito conhecido por seu rico trabalho. Era mestre em entalhe, um verdadeiro escultor da madeira. Contou que durante o trajeto, seu pai sempre falava com muito conhecimento o nome das árvores pelas quais passavam, mas a que ele mais gostava e, ainda lembra claramente é o pinheiro do Paraná. Recebia do pai uma verdadeira aula com seus conhecimentos, graças a isso, conhece muito sobre a araucária, a semente mais saborosa e, o melhor, a natureza nos dá de graça. Lembrou com muito carinho dos invernos quando comia pinhão, assado, cozido, salpicado. Lembrou do pai chegando em uma noite com duas sacolas cheias de pinhão, pois na madeireira havia muitos pinheiros, carregados com tantas pinhas que todos os empregados levavam várias sacolas para casa. E o mês passava, e sua mãe usava sua criatividade em pratos elaborados, uma vez até na sobremesa achou alguns. (deu um largo sorriso) Meu amigo querido fechou os olhos para sentir-se em meio à natureza e o cheiro das árvores o transportaram a um passado bom, um tempo em que tudo era simples e belo, tudo tinha um ar de aconchego e bem estar. Disse sentir saudades das caronas com o pai, da mãe na cozinha fazendo pinhão, de ouvir os nomes das árvores e, não ter noção alguma de que havia outros mundos além do seu. Saudades de sentar-se à mesa da casa humilde e quentinha, das histórias do pai, das risadas da mãe, e de ser levado à cama nos braços do pai, pois sempre dormia antes do final da história. Falou da imensa saudade que sentia de apertar o casaco dele, e saber que estava seguro ali, de apertar o nariz contra suas costas e sentir seu cheiro de serragem e umidade. Custou muito tempo para perceber que nem o perfume mais caro do mundo é tão bom quanto aquela fragrância, se a saudade tivesse cheiro este seria o dela, falou quase murmurando. Emocionei-me tanto que não contive as lágrimas, e num abraço fraterno nos despedimos.

10 comentários:

  1. Olá, Marli Terezinha!
    Que relato maravilhoso! Sensível e comovente.
    A saudade dói mesmo, quem já sentiu sabe.
    Bjs
    Marli

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  2. Noooooooooossa, que lindo e tão emocionante...Saudade grande demais e bem justificada. Emocionei ao ler, pois todos temos saudades assim... Lindo te ler! Ótimo fds! beijos, tudo de bom! Estavas sumida? chica

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  3. Querida que mágica história
    De magnânima alma
    Que nossas almas ela acalma
    Pela saudosa memória
    Desse filho que sua glória
    É lembrar da humilde vida
    Com amor e apetecida
    Como quem ama o amor.
    Presto-te todo louvor
    Por dar a tanto guarida!

    Marli, eu também me emocionei. Quantos potentados filhos que nascem em berço de ouro, possuem tudo e maldizem a vida. Esse cara é um exemplo de cidadania, de dignidade e soberania. Transmita meu abraço a ele. E receba minhas congratulações por patilha tão extraordinária! Parabéns, querida! Também tens um alma grandiosa. Deus seja louvado! Abraço fraterno. Laerte.

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  4. Um texto lindíssimo que também me emocionou. As memórias que o pai deixou ao filho hão-de ser inesquecíveis. Havia orgulho pelo pai nas palavras com que o descreveu. E uma grande saudade. Maravilhoso!
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

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  5. Lindeza de texto! Essas lembranças são para sempre, se embrenham na memória da criança e as acompanha até a fase adulta.

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  6. Boa noite de paz, querida amiga Marli!
    Você escreve com muita sensibilidade e emoção.
    Justamente hoje, meus amados foram embora do final de semana prolongado... fui lendo e me extasiando.
    Há pequeninos detalhes que se agigantam em nosso coração sobretudo na idade mais idosa.
    Tenha dias abençoados!
    Bom feriado!
    Beijinhos com carinho de gratidão

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  7. Para as crianças, o mundo dos pais, durante a infância, é sempre uma sonhadora marca indelével.
    Abraço amigo.
    Juvenal Nunes

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  8. Olá, Marli, esse seu amigo certamente é um homem feliz, isto porque teve uma infância com muitos cuidados tanto do pai como da mãe, e seu pai soube criá-lo bem próximo a ele, fazendo o possível para que participasse de sua vida e de seu trabalho. Uma história muito bonita e que foi contada por você com maestria.
    Uma crônica admirável. Meus parabéns.
    Uma excelente semana, cuidando-se.
    Um abraço.

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  9. Marli querida, no final me segurei um pouco...
    O que os pais fazem pelos filhos, muitas vezes passa despercebido, e são atos que na hora, parecem pequenos, mas anos depois quando se lembram, é de uma grandeza...
    Você conta muito bem, e emociona também!
    Saudades de você, como estão?
    Beijinhos

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