13 de jun. de 2018

O Trem em minha Vida






    Para falar em ferrovia, temos que falar da máquina de ferro. A maioria das pessoas viajava de trem, o povo, personalidades, autoridades, claro que havia a primeira e segunda classe. Na minha adolescência, o apito do trem significava muitas coisas, primeiro a alegria da chegada de cargas, pessoas, correspondências. Eu morava próximo à linha do trem, ouvia-o a distância, e, muitas vezes, juntamente com amiguinhos que por ali residiam, ouvíamos, e só quem ouviu vai entender esta onomatopeia: piui! piui!
O apito servia como marcador de tempo ou até instrumento para avisar a população sobre alguma calamidade; como relógio, as pessoas sabiam de onde vinha o apito e calculavam a hora do dia, e, quando o último sibilar acontecia, todos sabiam que era tempo de silenciar e repousar. Na enchente de 8 de julho de 1983, a Maria-Fumaça se pôs a acordar os moradores para que se salvassem do aguaceiro e auxiliassem seus amigos. Interessante lembrar o poema de Manuel Bandeira, “Trem de Ferro”, o qual usei com um grupo de crianças para fazermos o barulho das rodas nos trilhos de ferro. A escolha das palavras e repetição do verso “Café com Pão”, “Café com Pão”, a sonoridade das palavras do verso, produziam uma sequência de sons que nos reportavam ao barulho proveniente do deslocamento de uma locomotiva sobre os trilhos. O guarda-chaves manobrava os desvios e entroncamentos dos trilhos, trabalho importante e de grande responsabilidade, e quando o trem se aproximava de um trilho com outro destino, a máquina de ferro simplesmente deslizava feito serpente, à outra linha. Em tempos de chuva ele usava uma enorme capa para se proteger. Foram tempos repletos de alegria, víamos vagões com ripamentos separados por grandes frestas para o ar entrar, eram os vagões gaiolas, pois viajavam carregados de animais, e sempre havia alguma pessoa meio dependurada; era o guarda-freios, responsável por vigiar e manobrar os freios dos vagões segundo instruções do maquinista, e cuidava para que tudo ficasse bem. Os vagões que transportavam madeira iam totalmente abertos. A Estação ainda hoje é um marco histórico, foi inaugurada em 1942, um pátio apenas, de um lado, Porto União, SC, e de outro, União da Vitória, PR. Quem descia do trem e precisava atravessar para o outro Estado passava por um túnel, que na época fervilhava a imaginação das crianças. Era uma atração, aos domingos, passear com os pais e atravessar pelo túnel. Acima de nossa cabeça o enorme relógio, o som do sino da estação se sobrepunha aos outros, quase nada se ouvia a não ser o maravilhoso rebimbar do bronze, que era tocado pelo agente do trem, avisando a saída, era hora de embarcar. Ele usava um quepe que o diferenciava dos outros funcionários, pela cor. A plataforma era imensa e repleta de pessoas que iam e vinham. A ferrovia sempre teve muita importância para o Brasil e demais países, e nossas cidades estavam sempre em segundo lugar em faturamento, até 1970, a partir de quando, infelizmente, começou a declinar até o total abandono.
      A Maria-Fumaça, a famosa 310, ainda é a atração em nossas cidades. Houve momentos de glória, quando ela foi posta em movimento e fazia viagens turísticas até a Estação de Engenheiro Melo. Ao chegarmos, tudo estava bem organizado e alguns vendedores locais aproveitavam a chegada de cada jornada para vender os seus quitutes, havia de tudo. Com certeza, a 310 vai voltar aos trilhos, para nos levar e matar a saudade de viagens maravilhosas, verdadeira aventura dentro do vagão de passageiros.
     Com onze anos de idade, fiz uma viagem de trem até Ponta Grossa, eram quatro lugares, assentos virados de frente para podermos conversar. O chefe de trem, bem uniformizado, passava pelos bancos, para conferir se tudo estava correto, e picotava as passagens, havia um senhor de quepe de cor cáqui, que vendia guloseimas, às vezes ficava sentado na última poltrona do trem. Fantástico lembrar o balanço do trem, o barulho da fricção dos trilhos, a alegria de todos,  a paisagem que podíamos observar emoldurada através da janela: colinas, planícies, rios, lagos, casas, animais, o trem viajava vagarosamente, literalmente arrastando-se sobre os trilhos, serpenteando rios, colinas, e nossos olhos  tudo gravavam, pois  a máquina de ferro não corria, o que era ótimo. Podíamos ver, nos trilhos paralelos, os turmeiros, como os conhecíamos na época, iam de um trecho a outro de vagonete, movido por eles mesmos.  Com seus braços fortes faziam a troca de dormentes, limpavam os trilhos, juntavam as pedrinhas que sempre se espalhavam além da linha, era uma equipe de funcionários permanente no serviço.
    Os trilhos do trem ainda hoje representam uma viagem possível, mesmo na imaginária.

12 comentários:

  1. É sempre bom recordar o que foi realmente bom. Adorei :))

    Bjos
    Votos de uma óptima Quinta-Feira

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  2. Pena que quase só imaginária essa viagem...Nossos trilhos foram retirados nesse país que não pensa em progredir e avançar! Tenho lindas recordações dos trens, trilhos e estações! Gstei de ler! bjs, chica

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  3. Boa tarde!
    Parabéns pelo fantástico texto!! Amei!

    Beijo e um excelente dia!

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  4. Boa tarde, colega Marli!
    Recordações especiais. Aqui onde moro, tem uma Maria Fumaça que é famosa, a "Cecília". Ela fica exposta lá no centro da cidade.
    Pra nós mineiros, a palavra "trem", além de referir-se ao meio de transporte, também serve pra denominar qualquer coisa. Comer um trem, lavar uns trens, um trem no olho, um trem estranho, um trem no coração, trem ruim mastigado e por aí vai. :)
    Ei, moça!
    Tem postagem nova no meu blogue. Passe por lá pra conferir, você vai gostar.
    Ficarei feliz com tua visitinha e comentário, sempe tão gentis.
    Grande abraço pra você! :)

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  5. Adoro comboios. Este seu texto maravilhoso tem tudo o que a minha memória também guarda. Gostei imenso de a ler.
    Um bom fim de semana.
    Um beijo.

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  6. Marli,
    Que viagem maravilhosa
    que seu texto nos proporciona!
    Diz uma grande viagem de trem
    aos meus 5 anos, foi de SP ao RJ.
    Vejo com tristeza que na atualidade
    muitas e a maioria das estações
    andam desativadas e abandonadas
    e muitas linhas (90%) desativadas.
    É bom relembrar e aqui onde vivo
    no ES/Brasil trmos um museu ferroviario e algumas linhas funcionando, inclusive a que
    segue daqui para MG e vice e versa.
    Grata pelo compartilhar.
    Bjins
    CatiahoAlc.

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  7. Era um passeio tão gostoso...

    bjokas e uma feliz quinta =)

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  8. Oi Marli,

    eu tive a felicidade de andar muito de trem,inclusive o trem de prata entre Rj e Sp!

    Tempos maravilhosos.

    Um abração carioca.

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  9. Em Portugal também há ferrovias e estações abandonadas. Com o tempo tornaram-se uma fonte de prejuízos incomportáveis...
    Mas, para quem viu ou viajou em comboios com máquinas a vapor, há muita saudade que mesmo com iniciativas turísticas não desaparecem.
    Os apitos dos comboios, na época do vapor, era não só uma referência horária como também uma indicação para a previsão do tempo...
    Excelente crónica, parabéns.
    Amiga Marli, tenha um bom fim de semana.
    Beijo.

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  10. Ótima essa tua crônica, Marli! O trem nos parece ainda algo ainda encantador, mesmo que muitas linhas não existam mais. As estações ainda conservam aquele ar nostálgico. O único trem que andei foi da Alemanha à Paris. Aqui no Brasil não recordo, acho que nunca andei. que belas recordações guardamos da nossa infância e juventude! Tenho saudades dos bondes, esses sim, milhares por esse Brasil afora.E que bom quando conseguimos colocar em crônicas, marcando época. Gostei muito, amiga, aliás gosto de todas tuas crônicas!
    Beijo grande!
    Uma ótima semana.

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  11. Alcancei essa época da Maria Fumaça, Marli; de trem, fiz muitas viagens inesquecíveis, e dos bondes também sinto saudades! Belo post, boa semana

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