Lembranças das histórias da minha infância. O mundo é grandioso,mas em mim ele é mais profundo, pois sinto a profundidade nos recantos da memória, e fui longe buscá-la,por volta dos meus cinco anos. Como começar a escrever o que está dormindo em minha mente e continua silencioso?
A saudade sempre me fez silenciosa. E busco no meu silêncio acordar minhas reminiscências.
Lendo Odilon Muncinelli, em sua coluna " MILHO NO MONJOLO," "Caminho dos Tropeiros," o silêncio se fez claro e as imagens vieram-me à lembrança. Boiadeiros e boiada passavam em frente ao Armazém dos meus pais (hoje falecidos). Na Canção " O menino da Porteira," quando diz: ...eu jogava uma moeda e ele saia pulando...," ninguém me jogava uma moeda, mas eu saia pulando literalmente, sob os brados de minha mãe, para que eu tivesse cuidado. Para mim, na época, era semelhante a assistir ao mais belo show da vida. Lembro que eu os aplaudia com muita alegria. Eu ficava na porta central do armazém para não perder nada. E não perdia.
Minha mãe sempre repetia:
-Quando vem a boiada, (TROPEIROS,) precisamos ter muito cuidado com essa menina, mais olhos sobre ela, pois ela é bem capaz de ir atrás deles.
E, eu continuava no meu enlevo batendo palmas à boiada.
Era muitíssimo comum ver seu Romualdo de Melo (açougueiro), forte na época, morava no bairro, próximo à igrejinha, naquela época chamava-se " TÓCOS", o nome veio pela grande quantidade de tócos de árvores, pois ao lado da então estrada, hoje (Avenida João Pessoa), era rodeada de vegetação alta e muitos tócos e galhos de árvores eram jogados, quando chovia na então barrenta estrada. Os tócos ajudavam, eram como brita que colocam, hoje, em estradas do interior. Está viva em minha memória a feiura que era a estrada em dias chuvosos. Não dá para descrever apenas com palavras, há a necessidade de se contar em uma tela, por um bom artista plástico. Era um lamaçal, havia muita areia, e ficava pior após a passagem da boiada.
Voltando à memória, o Seu Romualdo Melo passava com a boiada, na minha frente, levava os bois para o açougue de sua propriedade, localizado na rua Matos Costa, em Porto União. Ainda lembro que eu sempre elogiava o gado. Realmente, eram reses bonitas, porte grande,chifres enormes.
Junto dele, vinham mais peões, pois o rebanho era imenso. Sem dúvida, o devaneio se alimenta de espetáculos variados e este era meu maior espetáculo, principalmente quando algum animal se desgarrava e eu ouvia os gritos, para as pessoas saírem do caminho da boiada.
Os peões corriam a cavalo, com o chicote, os estalos estão até hoje, em meus ouvidos. Geralmente, a boiada ia tranquila, os cães enormes eram fiéis ao seu trabalho. Ouvi dizer que quando a boiada não está em sua querência, ela fica mais dócil aos comandos. Eu contemplava, paradinha no mesmo lugar. Era demorada a passagem pela estrada e eu batia palmas, hoje, não sei dizer se era para a boiada ou para o show que ela apresentava aos meus olhinhos de criança.
Passo ainda hoje, por um pequeno choque quando lembro dessa passagem, para mim tão linda.
Antes de serem levados ao matadouro municipal, que ficava no bairro Santa Rosa, o gado passava pelo Posto de Desinfecção, o qual era quase em frente à Igreja São Basílio Magno. Meu pai sempre dizia que Seu Romualdo levava os bois para tomar banho, porque o calor judiava deles. Eu acreditava, pois era difícil, naquela época eu entender que eles iam para a morte.
A boiada que fora pela manhã já ficava no matadouro, que dó. A noitinha, seu Romualdo Melo, estava de volta com outra boiada, a gente ouvia de longe o tropel do gado e dos cavalos. Os peões traziam o chicote enrolado na mão, e às vezes o faziam rodopiar no ar. Era um show sem igual. Depois de longa jornada a boiada ficava em um imenso pátio com pasto. Porém, quando o tempo era indeterminado, todo o rebanho ficava em um grande potreiro.
Dona Estela Soznowski, alugava os potreiros para quem precisava , ela morava na rua atrás da igrejinha ( da época). Em frente à casa dela ficava a propriedade do DR. Lauro Miller Soares.
É necessário estar presente, presente ao acontecimento, no minuto em que ele acontece e a imagem que tenho gravada na mente me seduz porque foi uma sedução.Como uma imagem tão simples pode provocar tanta saudade?
Às vezes, meu avô me levava para ver os bois no pasto. Eu ficava a observar a distância que era delimitada por ele. Quando algum boi intrometido vinha um pouco mais perto da cerca, meu avô gritava:
Às vezes, meu avô me levava para ver os bois no pasto. Eu ficava a observar a distância que era delimitada por ele. Quando algum boi intrometido vinha um pouco mais perto da cerca, meu avô gritava:
-Escapa! Escapa!
Essa boiada se diferenciava da outra que fazia o trajeto de Palmas, Porto União da Vitória até Palmeira.
Esta escrita são as minhas impressões, que não basta explicá-la. É preciso vivê-las. E, eu as vivi. É necessário estar presente, presente ao acontecimento, no minuto em que ele acontece.E a imagem que tenho gravada na mente,me seduz, porque foi uma sedução.Como uma imagem tão simples pode provocar tanta saudade? É que minha alma é evocada em cada lembrança boa, do meu tempo de criança, e que hoje se transforma em imagem poética.