29 de out. de 2021

Quantas pessoas ainda vivem assim


 

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À tardinha de um dia com muito sol, resolvi fazer uma caminhada, pois a pandemia me deixou quieta em casa, por muito tempo.

Agora, como tudo parece estar mais calmo decidi que devia voltar a caminhar.

Gosto desta atividade, pois me dá muita liberdade para admirar toda a beleza da natureza. Percebi que sentados na grama havia uma família bem unida literalmente, estavam dividindo alimentos. O pai cortava em quatro pedaços o pequeno pão que tinha em suas mãos. Chocou-me muitíssimo aquela cena, prestei mais atenção. Depositada na grama estavam uma bolsa de lona suja e um cão, o qual também ganhou um bocadinho de pão. Após todos comerem, o pai retirou da sacola quatro bananas bem maduras, cada um ganhou a sua, o cão ganhou um pedaço de biscoito. Era a sobremesa e, havia mais, todos ganharam um pouco de refrigerante, que deveria estar quente devido ao calor, no mesmo copo descartável cada um tomou o suficiente. Ah, o cão tinha uma latinha com água, que foi tirada de uma garrafa pet.

E todos estavam surpreendentemente felizes.

Parei para conversar com eles, lindos e unidos. Quis saber a sua história. O nome do marido era Altamiro, ele então me contou que trabalhava cuidando de cinco grandes jardins, e sua esposa dona Neide trabalhava como diarista em quatro casas, das quais ele cuidava dos jardins. Contou-me que ganhavam razoavelmente bem. Continuou falando, mas muito emocionado, nossos dois filhos estavam na escolinha. Tudo ia muito bem até a chegada da pandemia. Meus patrões me dispensaram, pois, a época era de muitas mortes, minha esposa também teve que parar com seu trabalho, nossos filhos ficaram em casa. Tínhamos uma casa, alugada, mas confortável, a esperança era de que tudo logo ficasse bem. Tínhamos dinheiro para um bom tempo sem passarmos necessidades, porém o tempo foi maior, que o esperado, e hoje estamos sofrendo as consequências da pandemia.

A dona da casa, na qual morávamos nos determinou um tempo para que a desocupássemos. Parecia um pesadelo, os poucos parentes tentaram nos acolher, mas não tinham condições. Sabe, moça tenho até vergonha de falar tudo que passamos para sobreviver, só não roubamos.

Pedíamos comida, falávamos a verdade. Caso nos dessem um serviço, ficaríamos contentes em fazê-lo por um prato de comida.

No início até as contribuições eram generosas, mas aos poucos cada um se fechou no seu mundo. Hoje só isso que conseguimos para comer. Tenho vergonha por ser um homem forte e não ter serviço para mim. Já fiz um pouco de tudo, mas sempre é por pouco tempo. Percebi que tinham algumas roupas e, até mesmo um pedaço de colchão. Ele explicou que sempre procuram um lugar seguro para dormirem, o cão estava sempre atento.

Contou-me que um senhor lhe arrumou um serviço para ele limpar seu jardim, mas só para o final de semana seguinte, após passarem as chuvas. Minha mente estava confusa, um turbilhão de pensamentos me deixava sem saber o que fazer.

Como ajudar?

E quantas pessoas estão vivendo nestas condições?

No momento em que estávamos conversando, um casal se aproximou, notei que já se conheciam.

A mulher começou a falar.

Altamiro, nosso vizinho tem um barracão em ótimo estado, arrumamos tudo, e o deixamos em condições de vocês morarem por um tempo lá.

Muitos amigos nos ajudaram, ganhamos um fogão, instalamos uma pequena cozinha, tem um banheiro, que fazia parte do local, improvisamos quartos e camas para vocês. O chuveiro foi instalado há pouco. Uma loja local doou algumas roupas. O material de higiene foi doado por uma drogaria, para o momento vocês têm o que precisam para ter uma vida um pouco melhor, que às ruas. Percebi que as lágrimas escorriam em todos os rostos, eu que já estava crente de que nada mudaria com a pandemia, que a empatia tão citada não era real, porém eu estava registrando com meus olhos a bondade de um grupo de pessoas ajudando seu próximo.

O casal encaminhou a família para o carro, mas antes seu Altamiro fez questão de se despedir de mim e me agradecer. Não sei o porquê do agradecimento, mas fiquei feliz por eles.

Sabemos que muitas famílias ainda passam por esta amarga situação. Muito triste.


Queridos amigos, justifico aqui a minha ausência. Fiz um procedimento cirúrgico no olho esquerdo, só agora estou aos poucos voltando a escrever. Saudades de todos.

26 de set. de 2021

Vamo falar de "Good Girls"


Enquanto a chuva cai lá fora e respinga na janela da sala, mexo minha colher de chá lentamente, misturando o líquido ao açúcar, enquanto penso se todo o vício é maléfico. Serei mais específica, vício em artes é maléfico? Como vício em séries e filmes? Talvez quando você exclui a sua vida social por eles, sim. E a desculpa sempre aparece no mesmo tom: “mas está tão boa, só mais este pedaço e desligo”. E, quando percebemos, entramos de madrugada com os olhos e ouvidos vidrados na telinha. Não me considero uma viciada em séries ou filmes, (ainda), mas confesso que já maratonei algumas vezes. A última, que não faz muito tempo, foi com a série” Good Girls”. Série que você acha que não vai dar em nada, que é mais um amontoado de besteiras, porém se surpreende quando se vê torcendo por este ou aquele personagem. Costumo dizer que no episódio dois já me considero da família, e tenho os meus afetos e desafetos. Mas voltando à série, “Good Girls” foi uma grata surpresa, que tem seus encantos, sim. Talvez tenha dado certo pela química entre as personagens principais, ou pelos estresses nos bastidores (revelados nas redes sociais). A questão é que, mesmo sem continuação (já declarada pela Netflix), ela vale as horas assistidas. A história, nada muito surpreendente, narra a vida de três pacatas donas de casa que bolam um roubo ao supermercado local para sair do sufoco da vida, a falta de dinheiro e conquistar a independência. Puritanismo à parte, você se pega torcendo por elas, seja pela simpatia, seja pelo espelho. E daquele pequeno roubo a um mercado local, a teia vai apenas emaranhando ainda mais a vida daquelas três mulheres, algo que elas nunca puderam imaginar. E como toda e boa série que, para nos prender não pode manter o foco apenas em um fato, para não se tornar monótona, ela desenrola vários relacionamentos: marido e mulher, pais e filhos, amigos. Levanta várias questões, nos faz refletir e, algumas vezes, um leve nó na garganta surge. Lembro que comecei assistindo meio sem querer, o botão do controle subindo e descendo várias vezes, nada que fizesse meus olhos pararem. Interrompi a procura e fui à cozinha buscar algo para comer, e levar embora meu tédio, mas quando voltei, na tela passava a propaganda da série, e foi ali que ela me ganhou. “Good Girls” é uma série despretensiosa, foge do glamour hollywoodiano, até mesmo pelos atores que interpretam os papéis principais e secundários, o que é muito bom, por sinal, abre o nosso leque de opções de atores, e nos faz conhecer o que antes era desconhecido ou pouco valorizado (até por questões de cachês) nos grandes filmes. E, sim, mesmo tendo apenas quatro temporadas e um final sem pé nem cabeça (na certeza de que eles queriam continuar), vale muito à pena, e não apenas para um sábado à tarde para quem não tem nada para fazer. Olhando atentamente e prestando atenção, dá para tirar um bom proveito da série, “Good Girls”. Fica o gostinho da curiosidade.

27 de ago. de 2021

O mais doce perfume

Naquela tarde gelada, fui convidada por um amigo de longa data para um café, que foi regado a lindas histórias sobre a vida. A história que deu início a nossa conversa foi sobre seu pai, uma longa conversa. Eu pensei que o conhecia, porém ao ouvir seu mais comovente relato, resolvi compartilhá-la. Ignoro o porquê de não saber algo tão marcante na vida e lembrança do meu amigo. Contou que o pai era um excelente entalhador, esculpia verdadeiras obras de arte em qualquer móvel de madeira, muitos deles ainda fazem parte da vida de algumas famílias, pois o entalhe era feito sempre em madeira de lei por ser madeira dura. Fazia a escultura que lhe pedissem em móveis fantásticos, tinha um dom maravilhoso, era abençoado. Recordou, penso que devido ao imenso e atípico frio do momento, das tardes frias, quando ia com seu papai à fábrica, ia na parte traseira da bicicleta, havia um travesseirinho para que ficasse mais confortável. O frio era imenso, por isso ele usava as costas de seu pai como barreira para espantar o vento gelado que parecia cortar sua pele. Falou que recordava do cheiro, que vinha da roupa dele enquanto encostava o nariz em suas costas, era uma mistura de serragem com uma certa umidade do ar, aroma que continua sendo inesquecível, não há comparação com nenhuma fragrância que conhecia, comentou ele. Perguntei que idade ele tinha naquela época. Respondeu-me rapidamente, sem pensar. -Eu tinha cerca de quatro anos, lembro-me bem, pois minhas pequenas pernas abraçavam com dificuldade a garupa da bicicleta, meus braços curtos não conseguiam abraçar a cintura dele por completo, então meus dedos agarravam seu casaco com tanta força que minhas digitais ficavam ali por muito tempo. Minha mãe estava sempre trabalhando, por isso achavam melhor eu ficar com papai, o que lhe era permitido. Contou-me os vários motivos que o faziam ir com seu pai, à fábrica. Disse-me com orgulho que ele era um marceneiro muito conhecido por seu rico trabalho. Era mestre em entalhe, um verdadeiro escultor da madeira. Contou que durante o trajeto, seu pai sempre falava com muito conhecimento o nome das árvores pelas quais passavam, mas a que ele mais gostava e, ainda lembra claramente é o pinheiro do Paraná. Recebia do pai uma verdadeira aula com seus conhecimentos, graças a isso, conhece muito sobre a araucária, a semente mais saborosa e, o melhor, a natureza nos dá de graça. Lembrou com muito carinho dos invernos quando comia pinhão, assado, cozido, salpicado. Lembrou do pai chegando em uma noite com duas sacolas cheias de pinhão, pois na madeireira havia muitos pinheiros, carregados com tantas pinhas que todos os empregados levavam várias sacolas para casa. E o mês passava, e sua mãe usava sua criatividade em pratos elaborados, uma vez até na sobremesa achou alguns. (deu um largo sorriso) Meu amigo querido fechou os olhos para sentir-se em meio à natureza e o cheiro das árvores o transportaram a um passado bom, um tempo em que tudo era simples e belo, tudo tinha um ar de aconchego e bem estar. Disse sentir saudades das caronas com o pai, da mãe na cozinha fazendo pinhão, de ouvir os nomes das árvores e, não ter noção alguma de que havia outros mundos além do seu. Saudades de sentar-se à mesa da casa humilde e quentinha, das histórias do pai, das risadas da mãe, e de ser levado à cama nos braços do pai, pois sempre dormia antes do final da história. Falou da imensa saudade que sentia de apertar o casaco dele, e saber que estava seguro ali, de apertar o nariz contra suas costas e sentir seu cheiro de serragem e umidade. Custou muito tempo para perceber que nem o perfume mais caro do mundo é tão bom quanto aquela fragrância, se a saudade tivesse cheiro este seria o dela, falou quase murmurando. Emocionei-me tanto que não contive as lágrimas, e num abraço fraterno nos despedimos.

14 de jul. de 2021

Origem da palavra OK

 

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Conhecemos várias palavras que devido ao seu uso foram incorporadas no idioma formal.

Algumas palavras em inglês que o brasileiro adotou no dia a dia:

 Air bag, Baby doll, Backup, Bad boy, Bike, Blazer, Botox, Check-in, Chip, Coffee break, Crush,

 Delivery, Design, Diesel, Download, Drinks, Drive-thru, Email/e-mail, Facebook, Fake, Fashion, Gospel, Hamburger, Hobby, Email/e-mail.

 A palavra E-mail surgiu junto com o início da internet, e hoje em dia é até estranho usar a expressão “correio eletrônico”. No entanto, há um termo talvez mais expressivo, que é a palavra OK “mais falada e escrita do planeta”, parecia ser apenas mais uma piada. Foi usada como uma brincadeira a expressão “O.k.”, "OK" (ou "okay") que designava “tudo certo” e que se propagou a ponto de ser reconhecida hoje em qualquer parte do mundo. Ok é uma expressão de origem desconhecida e etimologia bastante discutida. Apareceu pela primeira vez no dia 23 de março de 1839 no jornal "Boston Morning Post", cuja autoria é atribuída ao seu editor Charles Gordon Greene. São muitos e muitos anos de uso deste vocábulo. Mesmo sendo o americanismo mais usado no mundo, sua origem é confusa.

A trajetória e a origem são objeto de um estudo publicado nos Estados Unidos, Allan Metcalf, um linguista e autor do livro “OK”, disse que é a palavra mais espetacular da língua inglesa, e é difícil explicar por que faz tanto sucesso, sua obra com o título O.K. foi lançada no ano de 2010. O linguista descreve nada mais, nada menos que 18 versões diferentes sobre a origem da expressão – que hoje ainda ganha um neologismo bem popular nas redes sociais no Brasil: “talquei?”.

Essa história do termo, reforçada pelo livro de Metcalf, já foi comprovada por diversos estudos nos Estados Unidos. Mesmo assim, ao longo dos mais de 180 anos em que O.k. é usada, não faltaram pesquisas a divulgar versões alternativas para o surgimento da palavra. “A história é tão simples que às vezes, parece insultar nossa inteligência. Faz com que precisemos de algo mais interessante, mesmo que não seja verdadeiro”, justifica o linguista.

Metcalf apresenta as 18 versões desse termo, não apenas nos Estados Unidos, mas em outros idiomas também. Falou sobre a sua surpresa de uma que dizia que O.K. era uma variação de “okeh”, termo indígena usado pela tribo choctaw como “está certo”, no final das frases. Versão que enganou muitos professores de renome.

 Na escrita é OK, ou okay e, informalmente, fala-se também okey-dokey ou okey-doke. A palavra pode ser usada também como verbo regular, significando “aprovar”, “endossar”.

O termo mundialmente conhecido, surgiu no século XVIII, na campanha para a reeleição do Presidente Martin Van Buren (1782-1862), nos Estados Unidos. O apelido dele era Old Kinderhook, em 1840, as iniciais O.K. se popularizaram como lema de sua campanha para indicar que, com Old Kinderhook como presidente, tudo estaria ótimo. De forma humorística, também se dizia que OK era sigla para “orl korrect” – all correct -, ou seja, “tudo correto”.

Outra versão, a expressão A-OK, significando “excelente”, que vem da era espacial. Foi usada pela primeira vez na década de 1960 pela NASA, nos Estados Unidos, para indicar que todos os sistemas estavam em perfeitas condições – All systems OK (abreviada para A-OK). Há várias definições para O.K. Muitos afirmam que a palavra O.K. é de origem alemã, outros, que é africana, outros, de origem grega. Muitos historiadores argumentam que a expressão pode ter

surgido durante a Guerra Civil dos Estados Unidos. Quando não havia baixa nos campos de batalha anotava-se "0 killed" (nenhum morto), corresponde a 0K. Sinal que se assemelha um "O" formado com os dedos polegar e indicador se encostando nas pontas em forma de círculo, e supostamente formando um "K" com os demais dedos levantados.

Apesar de tantas etimologias existentes sobre o surgimento desse termo, passados 180 anos, vários estudiosos confirmam a origem da palavra, no jornal de Boston. 

Um século depois, com a chegada da informática, a sentença transformou-se em comando no computador o que a fez ganhar prestígio e força cada vez mais.

22 de jun. de 2021

Lamartine Babo e Dr. Voronoff

                                                                                                                                                                             


                                                                                                   


 Sempre me causou curiosidade a letra da música de Lamartine Babo, principalmente estes versos:

"Seu" Voronoff...

"Seu" Voronoff...

Numa grande operação

Faz da tripa o coração.”

Para entendê-los precisamos saber de onde saíram tais versos, e o porquê de alguns compositores usarem o Dr. Voronoff como inspiração.

  Serge Voronoff foi fisiologista e cirurgião francês de origem russa e ganhou fama por sua técnica de enxerto de tecido testicular de macaco nos testículos de homens para fins supostamente terapêuticos, enquanto trabalhava na França nas décadas de 1920 e 1930.

Mundialmente famoso como um expert em cirurgias de enxertos e pelas séries de experimentos glandulares para melhoria de raças de ovinos e equinos. 

Foi um dos primeiros cientistas a acreditar na relação entre atividade hormonal e o envelhecimento. Pesquisou sobre atividades sexuais no homem e melhoria no desenvolvimento mental em crianças por transplantes de glândulas de macacos.

Morou no Cairo (1896-1910) quando observou que os eunucos eram obesos, sem pelos, pélvis alargadas, músculos flácidos com movimentos letárgicos, então concluiu que a falta dos testículos envelhecia e que sua presença rejuvenescia. 

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Doutor Voronoff trabalhou atendendo soldados franceses feridos. Várias averiguações e pesquisas nessas ocasiões, mostraram que Voronoff fez transplantes de ossos em soldados servindo-se de material procedente de combatentes, que tiveram seus membros amputados durante as batalhas e, que, Voronoff transplantou um osso de chimpanzé em um soldado ferido em 1915 , que essa cirurgia lhe deu a ideia de transplantar o testículo de um macaco em um homem.

Segundo ele (1928), o xenotransplante glandular permitiria uma produção constante de hormônio e que não haveria a necessidade do uso frequente de injeções. Houve numerosos fracassos, mas nada o desestimulou de prosseguir e seu crédito aumentou em toda a Europa

 Afirmava ainda que o enxerto da glândula tireoide de macaco dava resultados superiores aos daqueles enxertos, em que eram utilizadas glândulas humanas, porém a sustentação para o transporte desses órgãos ou mesmo hospitais e profissionais especializados continuavam na esperança futurística.  Voronoff confiava que em pouco tempo, os avanços da mentalidade e das leis alcançariam a evolução da ciência. E, que as pessoas deveriam entender que poderiam servir a humanidade mesmo depois de mortas.

“Para ele, a doação de um enxerto qualquer por um prisioneiro prestes a ser executado, por exemplo, poderia transmitir ao paciente características perversas do doador. “O macaco, por ser semelhante ao homem e com ele aparentado pela escala evolutiva, por ter um corpo forte e boa qualidade de órgãos e saúde, deveria ser o animal utilizado na melhoria dos seres humanos”, assegurava Voronoff, segundo os historiadores, que também dizia fazer uma seleção prévia baseada em um minucioso estudo sanguíneo de doador e hospedeiro, sem revelar detalhes.”

O excêntrico cirurgião operou 40 homens (engenheiros, intelectuais, arquitetos, advogados, professores universitários, um pintor, em suas clínicas particulares. E mesmo com a maior parte das operações tendo resultado em fracassos, o entusiasmo do cientista não diminuía, nem o número de seus admiradores. No final da década de 40, mais de 45 cirurgiões aderiram às técnicas de Voronoff e cerca de dois mil xenotransplantes foram realizados entre primatas e indivíduos em vários países, como Estados Unidos, Itália, Chile e Índia. 

 

Em 1928, o médico Serge Voronoff veio ao Brasil para divulgar nas Jornadas Médicas seus curiosos xenoimplantes glandulares. Para os idosos, a novidade representava esperanças de rejuvenescimento. Já entre jovens gerou zombarias e piadas, além de marchinhas de carnaval.


Seu Voronoff

Composição de João Rossi/Lamartine Babo


Toda gente agora pode

Ser bem forte, ser um "taco"

Ser bem ágil como um bode

E ter alma de Macaco.

A velhice na cidade

Canta em coro a nova estrofe,

E já sente a mocidade

Que lhe trouxe o Voronoff


"Seu" Voronoff...

"Seu" Voronoff...

Numa grande operação

Faz da tripa o coração


Operado foi na "pança"

Um velhote com "chiquê"

Ele vai virar criança

Das cartilhas do A.B.C

Um sujeito que se operou

Voronoff desculpou-se 

Logo, após, sentiu-se mal.

Voronoff desculpou-se

.. que houve troca de animal



 Noel Rosa o cita em versos da canção “Minha viola”.

 “Eu tive um sogro cansado dos rega-bofe, que procurou o Voronoff, doutô muito creditado, e andam dizendo que o enxerto foi de gato, pois ele pula de quatro miando pelos telhados...”

 Cantou Noel Rosa em alusão ao polêmico médico russo.

Dr.Veronoff morreu rico, mas sem reconhecimento.


15 de mai. de 2021

Um excelente contador de causos

  

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Em outros tempos era comum as pessoas se reunirem para uma boa prosa, um bom papo, uma boa conversa, um assunto agradável entre duas ou mais pessoas. O bom é sabermos que ainda temos excelentes prosadores.

Há muitos nomes, mas vamos nos concentrar em falar ou escrever sobre Rolando Boldrin, inclusive foi um pedido de uma pessoa muito querida, não pude recusar. Além do mais, Boldrin é um artista muito benquisto, e também porque não dizer que é um dos maiores contadores de causos, que são histórias bem narradas e muito interessantes, os quais na maioria das vezes nos passam grande ensinamentos.

Boldrin tem 84 anos de idade e 62 anos de carreira, ele movimenta-se por diversos caminhos da cultura e formas artísticas. Por isso, sua vida foi e continua sendo opulenta de grandes histórias, e jamais lhe faltou disposição para consagrar-se em outras alternativas de trabalho, abrindo sempre oportunidade para a cultura do nosso país.

São incontáveis os amigos que possui. Um deles, Dito Preto que partiu antes do combinado como costuma falar Boldrin e afirma, que desde a infância, Dito Preto ainda lhe rende excelentes causos.

Rolando Boldrin recebeu um convite dos jornalistas Corrêa e Taira para contar em um livro toda a sua saga de vida, o qual aceitou rapidamente, trabalhavam na TV Cultura, onde Boldrin apresenta hoje o programa SR. Brasil.

Como ele mesmo citou: Um livro é pouco.

Ele é um ícone da música caipira, raiz de nosso país, um seleto contador de causos, os quais nos são passados de geração a geração. Não há como negar que Boldrin é um aparecimento forte de representação do Brasil caboclo da zona rural, identidades do interior e arredores das grandes cidades. Uma cultura chacinada pela indústria e pelos interesses do “mainstrean” (A tradução literal de mainstream é "corrente principal" ou "fluxo principal).

Rolando Boldrin nasceu na cidade interiorana de São Joaquim da Barra, no estado de São Paulo. Sétimo filho de uma família com 12 crianças. Desde pequeno, já tocava viola. Aos doze anos de idade, começou uma empreitada musical com o seu irmão, formando a dupla Boy e Formiga, que era bem sucedida na rádio do município.

Quando completou dezesseis anos, devido a incentivos por parte de seu pai, ele foi para a capital São Paulo, de carona em um caminhão. Lá, exerceu diversas atividades antes de conquistar a carreira de cantor, foi sapateiro, frentista, carregador, garçom e ajudante de farmacêutico. Serviu o exército, aos dezoito anos, em Quitaúna e, apenas nos anos seguintes dedicou-se à atividade musical.

Estreou na música, em 1960, como participante do disco de sua futura esposa, que se tornou sua produtora na época, Lurdinha Pereira. Em 1974, lançou seu primeiro disco solo, pela Continental, O Cantadô.

Teve uma grande experiência como ator de teleteatros da TV Tupi, entre o final da década de 50 e começo da de 60, ao lado de vários nomes como Lima Duarte, Laura Cardoso, Dionísio Azevedo e outros. Atuou em diversas novelas das TVs Record, Tupi e Bandeirantes (em aproximadamente 30 novelas). Como apresentador de televisão, na década de 80, esteve à frente dos programas Som Brasil, (TV Globo), Empório Brasileiro (TV Bandeirantes) e Empório Brasil (SBT). Atualmente apresenta o programa Sr. Brasil, pela TV Cultura de São Paulo. Após atuar como Pedro Melo em O Tronco (1999), filme baseado no romance homônimo do escritor goiano Bernardo Élis, recebeu o prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília.

“Brinco que sou o encarregado de encantar o Brasil. O projeto é tão importante para mim que ele se sobrepõe à minha imagem”.

“Toda a irreverência de Rolando Boldrin é trazida em seus causos, contados por meio da linguagem simples e pura, tipicamente popular. Com bom humor, o apresentador encanta os telespectadores com histórias que mostram um pouco da cultura do país”.

Estrofe da música “Vide Vida Marvada”

“Diz que eu rumino

Desde menininho

Fraco e mirradinho

A ração da estrada

Vou mastigando o

Mundo e ruminando

E assim vou tocando

Essa vida marvada

É que a viola fala alto

No meu peito humano

E toda moda é um remédio

Pros meus desenganos”.  

14 de abr. de 2021

Bem-vindo à Holanda


 

 


Há muitas pessoas que em certa altura da vida planejam casar e constituir uma família.

Quando o casamento acontece, vem a necessidade dos filhos.

A alegria de preparar tudo para a chegada do grande dia, uma criança saudável é esperada, nada foi diagnosticado de errado com o bebê, durante a gestação. Porém, no hospital, os pais já têm conhecimento de que sua filha é especial. Especial, termo que atinge diversas síndromes infantis. Crianças são especiais por natureza, no entanto há algumas que necessitam de acompanhamento especial, e muito amor por parte de toda a família e sociedade.

Percebemos suas necessidades quando vivemos próximo a elas, convivi por vinte e três anos acompanhando a vida de uma criança especial, e que nos deixou há pouco tempo, em idade adulta.

Ela viveria apenas por um ano mais ou menos, palavras do médico, quando ela nasceu tinha o rostinho mais lindo do mundo, como não se encantar e tentar dar o melhor a uma criança especial. No entanto, havia muitas complicações relacionadas à sua saúde e seu futuro, um ano de vida apenas, porém, o amor e cuidado dos pais e avó materna foram relevantes para todos estes anos de vida. A mãe da Aninha, como a chamávamos deixou o emprego para dedicar todo seu tempo à filhinha. Percebíamos a alegria dos pais ao cuidarem dela, jamais houve nenhuma lamentação. Logo após a notícia dada pelos médicos de como seria a vida dela, houve momentos de culpas, e a pergunta: quem é o culpado?  Ela nunca falou, nem andou, mas viveu com muito amor.

É muito interessante fazer uma analogia da história, dessa garotinha especial com o texto: Bem -vindo à Holanda, autoria da escritora americana Emily Perl Kingsley, a qual nos conta sobre uma pessoa, que tendo comprado uma passagem à Itália acaba desembarcando na Holanda.

Houve muitos preparativos para a viagem, preparo das mínimas coisas da melhor maneira, estudou locais para conhecer, comprou guias turísticos, roupas adequadas para cada fase do passeio. No dia da viagem faz uma revisão em tudo para ter certeza de que está tudo certinho. Chega o grande e esperado dia, pega as malas, ansiedade misturada com emoção, embarca.

Após algumas horas, o avião aterrissa, ouve a voz do comissário:

-Bem-vindos à Holanda!

 Susto, como Holanda, minha viagem era para a Itália? Porém, é aí que deve ficar. A dor que isso causa, nunca irá embora porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa. No entanto, se você passar a vida toda remoendo o fato de não ter chegado à Itália, nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito especiais existentes na Holanda. Foram meses de preparação e espera para a famosa viagem.

Ao descer e conhecer um pouco deste lugar percebe que não é tão ruim, há muita coisa para ver e aprender. O mais importante é saber que o lugar é limpo, sem doenças ou fome. Deve aprender um pouco da nova língua para facilitar a convivência.

Percebe que é um lugar mais baixo, menos ensolarado que a Itália, aos poucos vai percebendo que não há : O Coliseu, o Davi de Michelangelo, As Gôndolas de Veneza, portanto, há tulipas, moinhos de vento, é uma grande perda, no entanto, se analisar bem você teve condições belíssimas de conhecer e apreciar coisas muito especiais, que só existem na Holanda.

Na família ficou registrada a vida maravilhosa que teve a nossa Aninha, que nos mostrou como Holanda é um país lindo.

22 de mar. de 2021

Solidão

 

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Às vezes, nem sempre damos o devido valor à finalidade e importância da vida social. A vida em sociedade é uma lei da natureza, porém vem a pergunta: - E a solidão, será que ela pode ser uma boa companhia para nós? Contrariando o pensamento de Rosseau “Não há felicidade solitária".

Talvez possamos explicar que a solidão é boa para nós quando ela é constituída, por um curto período. A ‘nossa solidão’ nos faz bem, mostra o quanto somos ótimas companhias para nós mesmos, ajuda-nos a recarregar as energias, respirar melhor, reconhecer percepções que acabam esquecidas em nós. É quase um tempo de meditação, porém impossível quando há muita gente por perto. Não nos desconectamos do universo por estarmos solitários, e penso ser muito importante, pois assim temos a condição de reconhecer nossa força, nossa habilidade em conectarmos com tudo que nos rodeia.

Há muitas obras que tratam especificamente da solidão. Temos até alguns filmes que retratam bem este sentimento. Exemplos: "Até o fim", de J. C. Condor. Nele, Robert Redford, vive um velejador que sofre um naufrágio. Ele passa uma longa hora apenas com o silêncio.

"O velho e o mar", drama vivido por Spencer Tracy. Temos também o romance de Robinson Crusoé, depois de um naufrágio, em que foi obrigado a sobreviver em uma ilha por quase 30 anos.

“Mary e Max - Uma Amizade Diferente”

Uma menina solitária de oito anos, que vive na Austrália. Max vive em Nova York. Obeso e também solitário. Mesmo com tamanha distância e a diferença de idade existente entre eles, desenvolvem uma forte amizade.

A solidão faz bem, na medida certa. É importante termos um tempo só nosso, quando é possível entrarmos em contato com nosso eu interior e nos descobrirmos. No entanto, quando a solidão nos é imposta, como o momento em que vivemos, quando a solidão nos coloca defronte com o medo, insegurança, a saúde mental pode ficar abalada. Podemos perceber, neste triste momento, que há grande relação entre saúde mental e conexão social. O isolamento social, na maioria das vezes deixa muitas pessoas solitárias por longos períodos, sem poder receber e abraçar as pessoas amadas. É bom termos pessoas,que gostamos perto de nós. Por isso, observamos dois tipos de solidão, esta que se impõe a nós devido à pandemia e nos faz mal, diferentemente daquela que se torna a nossa melhor companhia. Será que ainda somos a nossa melhor companhia? Todavia cada pessoa sente um efeito diferente da solidão, pois enquanto uns apreciam sua própria companhia e aproveitam esse tempo para se redescobrir, outros sentem-se intensamente angustiados com a falta de vivência coletiva.

O que cada pessoa sente quando está só, é de extrema importância para que ela se conheça e proceda de maneira correta, no momento propício. Cada pessoa deve achar uma solução para viver melhor, e não ser afetada em sua saúde mental. No entanto, percebe-se que muitas delas se anulam perante as tribulações, que ora se apresentam.

A internet é uma grande aliada para auxiliá-las a interagir com outras pessoas, principalmente, no momento de isolamento social.  Necessitamos de reforços emocionais, hoje, com mais intensidade, porque precisamos de contato social remoto com mais urgência, para que haja sintonia e solidariedade entre todos os indivíduos, estímulos eficazes, e com reação positiva perante as adversidades que se apresentam. Todavia, o uso da tecnologia digital é muitas vezes um grande desafio para os idosos, pois estão muito mais perturbados com os acontecimentos e sentimentos de solidão o que os leva à desconexão com o universo ao seu redor. Porém, o isolamento social é com certeza, mais desfavorável nesta época de pandemia porque ao elevar o nível de estresse ele danifica o sistema imunológico levando com isso, prejuízos a órgãos vitais.

Nos dias atuais é indiscutível a manutenção de pertencimento a uma comunidade para que haja condições para enfrentar e vencer a Covid-19.  Apesar da distância física, muitas pontes podem ser erguidas com a ajuda da comunicação, o que nos auxilia a cuidar dos mais vulneráveis nesse momento, é um ato de amor imensurável para que o isolamento social não se transforme em uma triste solidão.

7 de mar. de 2021

Faces da mulher

 


 

 

   Subindo o morro com a bacia de roupas para lavar, no riacho de água barrenta vai a cabocla de pé no chão, começar o seu dia de trabalho árduo e desvalorizado, na rua de baixo a quitandeira, com a cesta de docinhos, grita com voz forte: docinho, docinho, compra um e leva dois. Continua assim até que todos sejam vendidos, e ela possa voltar com a cesta um pouco mais pesada contendo um pacote de arroz, seis bananas e um litro de óleo. Seu sorriso mostra a felicidade de poder colocar comida na mesa para seus filhos, e ainda repor na prateleira os ingredientes para os docinhos da próxima venda.

  Não longe dali outra mulher carregada de cadernos, os quais corrigiu à noite, está correndo para não perder o ônibus que a levará para a sua escola, onde leciona em dois períodos, é a professora do bairro.

  Na esquina, próxima ao ponto de táxi, outra mulher vestida de maneira formal, com duas pastas de documentos, caminha apressada para atravessar a rua, é uma advogada a caminho do fórum para defender seu cliente.

   Na roça, com a pesada enxada, a mulher vai capinando o mato, preparando terreno para o plantio do milho, trabalha de sol a sol para ajudar o marido na lavoura. Embaixo de um pé de manga o pequeno rádio ajuda a suavizar o calor que sufoca a alma. A voz da mulher, a radialista comenta os fatos do dia, e assim a enxada avança com mais velocidade.

   No hospital, a mulher enfermeira acalenta os doentes que passam por necessidades físicas e espirituais, com sua dedicação, carinho e habilidade deixam o espaço mais humano, enquanto a mulher secretária auxilia com seus serviços profissionais nas empresas e hospitais, a mulher médica deixa seus filhos, sua família e vai prestar socorro onde é chamada.

   Os bichinhos de todas as espécies e gostos fazem a nossa vida bem mais feliz, e graças a mulher veterinária eles vivem melhor, com mais qualidade de vida.

  A estudante apura o passo para não perder a carona com a amiga que também vai fazer o curso para ser dentista, pois ela sabe o seu valor, no bairro onde mora.

Nas grandes e pequenas lojas, o número de vendedoras aumenta, pois elas com sua diplomacia vão vencendo no mercado de trabalho.

  As mulheres contadoras estão sempre a postos, porque não podem deixar passar um algarismo errado, o que seria um desastre, e com sua competência vão mostrando seu valor junto aos cálculos.

   Na construção de mais um edifício, na cidade está à frente de todos uma mulher engenheira, a qual trabalha sem esquecer que é mulher.

  No mundo da política ela também está, mesmo que não seja presidente ela é política no lar.

  A mulher publicitária está pronta para participar de todas as etapas dos projetos que lhe cabem, pois faz parte de seu escopo analisar, preparar realizar, enfim tornar realidade suas grandes ideias.

“É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta.”

   Há a mulher mecânica, a mulher motorista, a policial, a borracheira, a pintora, a artista plástica, a escritora, a costureira, a eletricista, a fiel dona de casa, aquela que dizem: não faz nada.

  A que gesta, que acolhe que educa, que dá carinho, ensinamentos, direção para a vida, dá-lhe se precisar a sua vida, a única mulher mãe.

E finalmente, sem esquecer alguma mulher de singular importância a Mulher Santíssima Maria, mãe de Jesus e nossa.

“Não se nasce mulher: torna-se.”

E com as palavras de Clarice Lispector, parabenizo a todas as mulheres:

“Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado.”


Parabéns a todas as mulheres!

27 de fev. de 2021

Minha boneca viajante

 

 


 

   Veio-me à lembrança um período de minha infância, quando eu ganhei uma boneca, tinha um vestido de estampa poá, dei-lhe o nome de Emily. Naquela época, íamos, com meus pais todos os domingos à sessão de cinema, com direito a dois filmes, e na pressa esqueci minha boneca, na varanda de nossa casa, é claro que na volta ela havia sumido. Chorei muito, pois não ganharia outra, com facilidade. A esperança sempre existe, quem sabe há uma chance de reencontrá-la, mesmo após tantos anos. Questionei-me:

- Poderia ela ter viajado para conhecer novos mundos, assim como na obra: Kafka e a boneca viajante?

Pois é, imaginei Franz Kafka, um dos escritores mais influentes do século XX, envolvido com o desaparecimento de minha boneca. Eu ficaria famosa, hein!

Dizem que Kafka ao passear pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina chorando por ter perdido a sua boneca. Conversou por muito tempo com ela, mas não obteve êxito. Fez a ela algumas perguntas para amenizar a dor da pequena.

-Como é o seu nome, garotinha?

Choramingando ela respondeu:

-Elsi.

O diálogo continuou.

-Que nome lindo, onde você mora?

-A sua boneca tem nome?

-Claro que tem, é Brígida.

Ele elogiou o nome da boneca dizendo que era um nome muito forte, e com certeza, ela não havia se perdido estava por ali, pois ninguém esqueceria uma boneca chamada Brígida.

Disse a ela que era ‘carteiro de bonecas’ e havia lembrado que recebera uma carta endereçada à menina. Não a trazia consigo, pois nem pensava encontrá-la por ali, e muito menos que ela seria a Elsi, da carta.

Prometeu que no dia seguinte, traria a carta que sua boneca lhe escrevera. Ficou marcado o encontro no mesmo lugar e hora.

E, naquela noite, Kafka passou muito tempo dedicando-se a escrever uma linda carta para Elsie. Ao chegar ao parque, ele muito atencioso leu para ela pausadamente, é claro que com a empostação de voz, deixou o assunto mais emocionante. Na carta, Brígida lhe contou que estava viajando, e resolveu não avisar, nem se despedir, pois tinha medo de que, suas ideias fossem impedidas. Contou todas as peripécias que estava vivendo em sua nova vida, conheceu muitas pessoas, muitos idiomas, muitos estilos de roupa, tudo era maravilhoso.

 Foram três semanas de intensa dedicação de Kafka para com a pequena, todavia ele se preocupava com o final da história, pois não sabia como seria, e como ajudaria a menina sem magoá-la.

Após três semanas, Kafka avisa Elsi que sua boneca estava voltando de sua aventura pelo mundo, planejou como faria, organizou um plano, comprou uma boneca, mas como não conhecia a boneca que sumiu, precisou escrever uma carta repleta de histórias, para que  ela pudesse acreditar que era a mesma, que havia voltado.

Na manhã seguinte, ao encontrar-se com a menina ele lhe entregou a boneca, dizendo:

-Tome a sua boneca, ela está muito feliz em voltar.

É claro que ela relutou em chegar perto da boneca e foi logo dizendo em alto e bom tom:

-Esta não é a minha boneca.

Difícil situação para o nosso escritor. O que fazer? Agiu rapidamente e disse:

-Há uma última carta que vou ler a você.

Leu com muita propriedade, o que ele próprio havia escrito, contou que sua boneca havia se transformado com tantas viagens, que fizera ao redor do mundo, havia ficado mais estilosa e mais atraente, mais educada, contou que até um namorado havia deixado, mas era passado, veio para viver junto com Elsi.

E assim, Franz Kafka deixou a menina com um largo sorriso e a boneca nos braços.

  Posso além disso, ter a esperança de que, minha boneca de vestido com estampa de poá, também esteja viajando por alguns países, e quem sabe já arrumou um noivo e nem possa voltar. Esta ideia é preferível, a pensar que perdi para sempre, a minha querida Emily. Sempre temos a opção de escolha para sermos felizes.

9 de fev. de 2021

A Influência da Leitura

 



      O sol ainda não havia surgido e a pequena Laura já estava de pé, morava no bairro e estudava no centro da cidade, não havia meios de transporte para levá-la, sabia do seu compromisso e levantava cedo, preparava o seu café, pegava seu material escolar, tudo pronto na noite anterior, era muito responsável, os pais não precisavam cuidar do seu horário. Ela corria esperar as coleguinhas que passavam para irem juntas, eram em cinco, iam pela linha do trem até perto da escola. Naquela época a Maria Fumaça ainda era a senhora dos trilhos.

    As meninas não tinham medo de tempo feio, nem a chuva fazia com que elas perdessem a vontade de estudar, iam com suas galochas sobre a conga, pois não havia tênis ainda, capas de chuva e assim chegavam sem quaisquer resquícios da chuva. A biblioteca da escola era excelente, havia muitas coleções, muitos volumes.  Laura se destacava nas leituras, pois em pouco tempo havia lido a maioria dos livros da Coleção Vaga-Lume.

    Um dos primeiros da coleção foi "Éramos Seis", da autora Maria José Dupré, a bibliotecária admirava a constância com que a menina relia essa obra, ela conseguia ler quase que um por semana, era uma leitora admirável. Quando ela leu a obra ”Sozinha no Mundo”, do autor Marcos Rey, ficou extasiada, a cada intervalo de aula ela vinha comentar o que tinha lido sobre a menina Pimpa, personagem da estória, e que estava desprotegida sem a mãe.

   O reboliço cultural aconteceu quando ela estava lendo “O Escaravelho do Diabo”, da autora Lúcia Machado de Almeida, quis pesquisar em vários livros para ter a certeza de que um simples besouro, inseto que ela gostava, estava envolvido em uma trama tão sórdida. Laura era assim mesmo, cheia de sonhos e a leitura a fazia viver em outros mundos.

   Em casa, a menina tinha muitas tarefas para fazer, e ainda auxiliava a mãe no serviço da casa, fazia tudo com muito cuidado, e a mãe a ensinava tudo que era necessário para ela saber se defender na vida. À noite, Laura tinha um bom tempo para ler, porém havia horário para dormir, pois sabia que levantar cedo era difícil, e quando o inverno chegava, na região sul, o frio era sempre rigoroso. Tinha bons agasalhos, mesmo assim, o ar gelado transpassava a roupa.

    Na escola, era muito estudiosa, estava sempre em dia com as tarefas e suas notas eram excelentes.

Escrevia muito bem, criava belas estórias, burilava as palavras de uma maneira tão especial que as transformava em poesia. Havia uma professora que a chamava de “minha tracinha de livros”, penso que não existe o diminutivo desse inseto, traça, mas ficou mais carinhoso, pois ela comia livros.

O último livro que Laura leu enquanto estudava naquela escola foi, “O Mistério da Ilha Perdida”, ela chegou a organizar um teatro com o grupo de amigas. Foi um sucesso, o tempo de estudante dela foi como uma história sem fim.

 Seguiu os estudos e fez cursos para trabalhar em bibliotecas.

      Hoje, Laura trabalha como bibliotecária e escreve livros.


23 de jan. de 2021

Cômico, mas real

 







 

    Presenciei nesta semana um fato que me fez sorrir. Interessante é que atualmente é difícil ouvir ou abordar algum tema sem fazer referência à pandemia de Covid-19, que impacta em maior ou menor medida, toda a sociedade, porém voltando ao assunto, eu estava aguardando a chegada   do elevador quando dois senhores com seus quase setenta anos apressaram o passo para entrarem no elevador também, assim seríamos apenas nós três. Com todos os cuidados necessários, máscara, distanciamento, mesmo dentro do elevador havia muito espaço, e um frasco grande com muito álcool para ser usado nas mãos, após apertar os botões do painel. Percebi uma certa tensão no rosto de um deles, mas fingi não ver. Enquanto nós aguardávamos a porta se abrir, notei que sussurravam algumas palavras um ao outro, o nervosismo era visível, preferiam, com certeza, serem os únicos a fazer uso do elevador.  Os dois traziam nas mãos um vidrinho com álcool e uma caixa de lencinhos umedecidos, achei esquisito tudo aquilo, comecei a rir disfarçadamente, riso de quem não fala, apenas ri. Ali estava um momento para rir à vontade, porém mundo insano, tive que esconder meu riso. O mundo está tão triste, faltam gargalhadas, rir faz bem à saúde, dizem os entendidos, e no dia 18, próximo passado foi o “dia do riso”, sim, houve até poetas que poetizaram o riso.

   A tensão continuava entre eles, apertei o botão, no painel, indicando o andar que eu iria descer, todavia percebi que nenhum deles queria mexer nos botões, então perguntei em qual andar iriam ficar, o mais alto falou com uma voz fininha:- No décimo quinto.

Pensei que voz engraçada para um homem tão encorpado, e novamente a vontade de rir apareceu, tive que fingir uma tosse, foi o meu pior momento, pois eles ficaram apavorados e começaram um diálogo de medo.

-Você me garantiu que estaríamos seguros, e agora estamos entre as paredes do elevador com uma pessoa tossindo.

O que fazer? Pensei em explicar que foi apenas um engasgo, mas não iria adiantar de nada, pois estavam apavorados.

O tempo parecia ter paralisado, alguém havia apertado todos os botões, aí o elevador parava em todos os andares.

Decidi não olhar mais para eles, virei para a parede espelhada, e sem querer vi que um deles abriu a caixinha de lencinhos passou ao outro uns dez, mais ou menos, e disse-lhe:

-Limpe bem sua roupa, pois pode ter ficado algumas gotículas da tosse. Notei que falavam de mim, fiquei calma.

Percebi pelo painel que o meu andar era o próximo, eu ficaria no décimo terceiro. Ufa!

Quando a porta abriu pedi licença e sai, eles mais que depressa saíram também, notei que estavam no andar errado, segurei a porta do elevador e expliquei que deveriam subir mais um andar, eles voltaram, a porta se fechou e tudo certo.

Segui para o meu compromisso, que teria no máximo a duração de uma hora. Passado o tempo fui pegar o elevador para descer.

Adivinhem quem estava descendo também?

Os dois senhores, já meus conhecidos, ficaram estupefatos com a minha presença diante da porta aberta, e, eu sorri para eles, surpresa eu vi que o mais alto devolveu o sorriso, e aproveitou para me pedir ajuda, pois não sabiam como e nem onde parar. Disse-me que já haviam subido e descido, mas sempre em lugar errado.

Senti tristeza ao saber que ainda hoje existem pessoas que não sabem usar um elevador, um mecanismo que parece de fácil acesso.

Eles se colaram à parede, eu fiz o possível para passar segurança aos dois, pois senti empatia por eles. Expliquei como fazer para usar o painel, onde parava o primeiro andar e o térreo, pois desciam no primeiro andar pensando ser o correto, soube por eles que haviam descido e subido várias vezes e ficaram com vergonha das pessoas que iam e vinham. Descemos juntos e nos despedimos, não tive mais vontade de rir, mas de aconchegar aquelas pessoas, que com certeza, estavam sofrendo por medo da pandemia e por não saberem usar um elevador.

O porta-retratos

  Foto do google     Era quase uma da manhã, lembro-me que estava inquieta naquela madrugada, talvez pelo vento, que fazia o galho bater...