24 de fev. de 2019

Fato inimaginável




      A mesa posta, a pequena família reunida para o café da tarde, a conversa ia longe, mas todos tinham seus afazeres, menos Elisa, que se sentou em um confortável sofá, pegou seu livro para continuar sua deliciosa leitura, era uma devoradora de livros, e as obras escolhidas eram sempre “best-sellers”, tinha necessidade de folhear o livro físico, não havia se adaptado à era digital, e ainda usava um lápis para suas anotações de rodapé. Todas as obras lidas por ela eram repletas de anotações, e quem as lia posteriormente sentia-se no mundo da pesquisa, a qual estava feita.
   Fazia intervalos na leitura, quando usava para refletir sobre o que lia, e o assunto a levou a pensar sobre as coisas inimagináveis do mundo, e assim ela se reportou ao longe, questionando o que poderia ultrapassar o poder da imaginação, os minutos foram longos.
   De repente, ouviu umas batidas insistentes, olhou por todos os lados e nada viu, tudo estava fechado, pois o dia estava nublado e frio, as batidas continuavam, ela constata ser barulho contra a vidraça.
Olha para a janela que está à sua frente e vê um lindo pássaro batendo com o bico no vidro. Pensou logo:- Oh! A avezinha  chocou se contra o vidro. Correu abrir a janela para salvar a pequenina, porém teve um sobressalto, a ave piou fortemente, como se a estivesse admoestando-a, Elisa sentiu-se sendo repreendida pela pequena e leve figurinha, que identificou ser um pequeno sabiá, pela sua cor de ferrugem no ventre. Era comum, todas as manhãs ouvir seu melodioso canto, mas entrar assim em casa e ainda fazer birra? Era estranho. Elisa se afastou da janela para dar passagem a ela, que não perdeu tempo e voou para um vaso, que estava em um canto da sala, nele havia plantado uma pequena árvore ornamental, sua surpresa foi maior ainda, quando percebeu que a avezinha se ajeitou em meio aos galhos e ali ficou. Elisa ficou sem reação, mas aos poucos decidiu descobrir o que estava havendo, caminhou na ponta dos pés e, ao chegar perto do vaso, afastou alguns ramos da árvore e surpreendida vislumbrou um pequeno ninho com quatro filhotinhos.
Pensou muito para decidir o que fazer, pois se o ninho fosse descoberto, todos os moradores do ninho corriam grande perigo, pois a família de Elisa era composta de adultos e duas crianças, sem contar com a gatinha de estimação que vivia dentro da casa. O que fazer?
Enquanto estava ali, parada pensando, sem perceber que a gatinha veio bem devagar e deu uma grande espiada no ninho. Ela então constatou que já se conheciam, era um problema a menos.
Ela resolveu deixar assim, sem comentar com mais ninguém, pois se ela teve tempo para fazer o ninho, botar, chocar e ainda lutar pela sobrevivência dos pequenos, tudo ficaria bem.
  Perdeu a concentração na leitura, mas tentou continuar. Fechou o vidro da janela, pois o frio a perturbava. Passado alguns minutos, novas bicadas contra a vidraça.
   -O que será?
   Pois estava tudo certo no ninho, porém havia outro sabiá querendo entrar, ela ergueu o vidro e ele sem cerimônia voou até o local do ninho.
Deduziu que estavam se revezando para alimentar os filhos, a surpresa foi maior ainda quando sua mãe veio e lhe perguntou por que ela estava com ar de assustada.
   Ela contou e percebeu que a mãe não mostrou surpresa  e curiosa quis saber o motivo. Então a mãe lhe contou que há tempos cuida do casal de sabiá, e que havia acostumado em deixar um pequeno pedaço de madeira na janela para que o vidro não se fechasse totalmente.
-Por que não me contou, mamãe?

  -Porque você está sempre no trabalho e quando está em casa, tem a companhia de seus livros.
-Mamãe, temos que cuidar para que as crianças não encontrem o ninho.
-Filha, todos aqui, em casa sabem e cuidam.
-Ah!!! Mamãe...
Parou de falar ao perceber que o pequeno pássaro estava de saída, encontrou o vidro aberto e foi sem reclamar.
Então descobriu que estava diante de um fato inimaginável,  dentro de sua própria casa.

9 de fev. de 2019

A caixa de sapatos




     Existem tantas coisas que nos deixam perplexos, fatos que são grandemente comentados, às vezes lhes damos valor alto sem ao menos mensurar o seu significado para alguém.
   Há situações que nos tornam muito ricos e felizes, mesmo sem ter o dinheiro nos sentimos poderosos, assim como dizia Immanuel Kant:
“Não somos ricos pelo que temos, e sim pelo que não precisamos ter.”
     Em um tempo repleto de atribulações, catástrofes, acidentes, corrupção, e outros acontecimentos, que nos levam a esquecer de que há algo melhor acontecendo ao nosso redor.
     Em um dia nublado, com temperatura baixa, observei um senhor que estava de bicicleta, no bagageiro de trás havia uma caixa de sapatos, pelo tamanho era de adulto, percebi que o homem, a todo instante olhava para trás para ver se tudo estava bem. Passei a prestar mais atenção nos detalhes, a caixa estava amarrada com elástico, tudo bem atado para que ela não se movesse.
Observei o carinho e cuidado que era dispensado à caixa, o amor era inegável, e o que eu via me deixava feliz, pois com certeza, o que estava na caixa era de muito valor.
Minha mente começou a imaginar muitas coisas, juntamente com a curiosidade, tentei manter minha caminhada para não ultrapassá-lo, pois estava decidida a saber o que havia de tanto valor ali.
  Eu parecia estar sendo exigente comigo mesma, me condicionando ao tempo daquele senhor desconhecido, que até lembrei-me de Clarice Lispector quando disse:- “Amo e adoro tudo o que é simples, tanto que às vezes pareço exigente!”
Não percebia o tempo passar, pois ele estava pedalando muito devagar, e, eu caminhando lentamente, a caixa havia me dado muita inspiração, ela com certeza estava transportando valioso tesouro, algo impagável com dinheiro, tanto carinho, atenção, amor, cuidados, o que seria?
Constatei que eu estava me sentindo feliz, por fazer parte daquele desconhecido acontecimento. Ficou ali, provado que a felicidade é uma condição que independe de dinheiro, eu estava valorizando muito aquele fato, e valorizar e preservar suas conquistas é outro modo de ser feliz. A caminhada e pedaladas continuavam e, a cada instante diminuíam mais, eu sentia que estava sendo indiscreta, que a minha bisbilhotice poderia me causar problema, pois o senhor já havia notado minha curiosidade, o que não o fez cessar com os cuidados com o conteúdo da caixa. Ele continuava muito feliz, dava para ver em suas atitudes. Eu estava pertinho da caixa, mas ainda assim, não conseguia identificar o que era. Uma caminhada e algo tão simples transformaram minha maneira de agir, de pensar, pois até sorri ao me perceber assim. Os momentos foram valiosos para mim, o padre Fábio de Melo falou algo semelhante ao meu pensamento:-
   “Há momentos em que a luz miúda nos revela muito mais que mil holofotes. Chega de vida complicada. Eu preciso é de simplicidade.”
E a simplicidade estava na minha frente, literalmente, me trazendo um momento muito feliz.
A felicidade havia me contagiado, me permiti ser feliz no instante que percebi as demonstrações de carinho do homem para com a caixa,  ou melhor, para com o conteúdo da caixa.
 Pela distância percorrida, deduzi que aquela caminhada ia ser imensa, por isso decidi perguntar o que havia na caixa.
Sabia que não seria mal interpretada, pois o semblante dele era de calma e cuidado.
- Senhor, posso saber o que leva de tão precioso nesta caixa?
Aproximei-me e percebi que a caixa estava cheia de furos para que o ar entrasse. O senhor me olhou e sorriu largamente.
Claro que pode, só não vou abrir, mas pode olhar pelos furos maiores, é um filhote de cachorrinho, acabei de ganhar, vou dar de presente ao meu filho. Ele está doente e este pequeno cãozinho o fará feliz.
Reforcei a ideia de que para ser feliz é preciso espalhar felicidade. Percebi a felicidade nos pequenos detalhes e atitudes do senhor, que pedalava lentamente a sua bicicleta dispensando grande cuidado com um pequeno cachorro, que levava  em uma caixa de sapatos, naqueles detalhes simples, pequenos, mas de um valor incalculável percebi que estava feliz.

A carta que nunca chegou

    Tarde cinza, vento forte fazia os galhos das árvores dançarem no jardim. Eu precisava finalizar a mudança que começara há dois anos,...