29 de abr. de 2019

Abandono digital




   A expressão “orfandade digital” sempre me causou estranheza e espanto, porque é algo que existe,mas está longe da vida de muitas pessoas, que não possuem mais crianças em casa, mas sabemos que ela existe. A negligência parental é o ato de omissão dos pais quando se descuidam da segurança de seus filhos diante do ambiente cibernético, esquecendo-se do risco que correm com os efeitos nocivos da mesma.Pais ausentes ortogam às mídias o poder de cuidar e divertir seus filhos.Iniciei este assunto devido a este acontecimento,eu estava fazendo uma pequena caminhada, percebi à frente um senhor que caminhava devagar, notei que a causa da lentidão era o celular,ele estava focado na telinha,nada seria espantoso se o que presenciei não fosse real,a uns passos atrás dele caminhava um garotinho, que não parecia ter mais que três anos, puxava por um barbante,um carrinho. Diminui meu passo e comecei a observar a cena, incrível,mas o senhor,que parecia ser o avô,sequer olhava para trás para verificar o pequeno.
   Consciente ou inconscientemente comecei a cuidar da criança,ao mesmo tempo indignada com a atitude do homem. Um pouco distante seguia os movimentos do pequeno,que a cada passo parava para arrumar sua preciosa carga de pequenas pedras na carroceria do seu carrinho. Percebi que o suposto avô se distanciava e o pequeno ao querer alcançá-lo perdia as pedras da sua caçamba, porque ao correr ela tombava assim, ele ficava sentadinho no asfalto arrumando tudo novamente. Eu já nem estava caminhando, mas seguindo ao lado do garotinho.
Aproximei-me do menino e perguntei:
- Você quer ajuda para juntar suas pedrinhas?
Ele rapidamente ergueu a cabeça e respondeu:
-Quero sim, pois meu avô foi embora, está longe.
Eu já havia percebido que o avô esquecera de que estava com o netinho. Minha indignação cresceu a tal ponto que não conseguiria mensurá-la.Ajudei-o a arrumar tudo e percebi que se ele fosse caminhar puxando o carrinho, jamais iria se aproximar do avô.
Fiz a ele uma proposta:
-Levo seu carrinho em minhas mãos, assim poderemos caminhar mais rápido e alcançá-lo.
Ele aceitou e,assim fizemos. Fiquei um tempo apenas pensando,onde estava a responsabilidade daquele avô?
Patrícia Peck Pinheiro, fala em seu artigo:
“Os pais têm responsabilidade civil de vigiar os filhos”, designadamente quando “a internet é a rua da sociedade atual”, implicando reconhecer que quanto maior a interatividade da web e o acesso às novas tecnologias, “maior a necessidade de educação”.
Neste caso há uma inversão a criança sem internet, estava correndo risco.
Voltando ao pequeno, percebi que ele estava cansado e sem condições de continuar a caminhada atrás do desalmado avô. A distância entre nós era razoável, mas para o menino era gigantesca.
Resolvi que precisava carregá-lo, olhei para ele e disse-lhe:
-Quer um colinho?
Ele abriu os bracinhos e sem pestanejar deixou-se erguer nos meus braços, pedi a ele para jogarmos fora a carga de pedras para que ele carregasse o seu caminhão. Tudo certo, seguimos a caminhada.
A conversa foi trivial, me contou sobre o cachorrinho, contou que sempre o avô o levava para passear, eu logo fiquei imaginando os passeios dele com seu avô. Disse-me que seu nome era Caquinho, logo percebi que era o seu apelido, mostrou-me com os dedinhos que tinha quatro aninhos, e assim fomos levando nossa conversa.
A minha surpresa foi muito grande quando distingui ao longe a silhueta do avô voltando, passos tão rápidos que parecia estar correndo. Percebi que ele não identificou seu neto nos meus braços, ele procurava por ele ao longe, ainda bem que estávamos na pista própria para caminhada o que salvou o menino de algum acidente.
Eu parei e fiquei esperando, bem próximo de nós, ele reconheceu o garoto.
Chamou por ele com a voz embargada, a inocência da criança não o deixou reclamar de nada, mas contou com alegria tudo que passamos juntos.
Eu estava preparada para despejar meus impropérios contra aquele cavalheiro.
No entanto, percebi que não mais havia necessidade, pois ele se agarrou ao netinho, e chorando pediu desculpas a ele e a mim.
Frase islâmica:
“O homem apega-se ao transitório e negligencia o eterno”.

11 comentários:

  1. Puxa, que triste cena! E como vemos o descuido em várias situações por causa dos celulares. Afff.. Triste! Ainda bem estavas atenta e tudo acabou bem, inclusive o susto nesse avô! beijos, chica

    ResponderExcluir
  2. Um texto sentido, melancólico:)

    Bjos
    Votos de uma óptima Terça - Feira

    ResponderExcluir
  3. Nossa, Marli, cheguei a arrepiar!! Que cena triste, que avô, que tempos vivemos!! Estou pensando que o menino poderia ser roubado, atropelado... Nossa era é muito irresponsável com esse vício que torna muita gente inútil, incapaz.
    Muito bem contado, amiga, parabéns pela crônica real.
    Beijo! Uma boa semana!

    ResponderExcluir
  4. Nossa. Que história.

    beijos

    https://ludantasmusica.blogspot.com

    ResponderExcluir
  5. Olá, querida Marli!

    Como sempre, um excelente texto, bem escrito, de temática interessante e atual e k nos faz refletir.

    Pois, de facto, creio k muitos pais e avós, não sei se hipnotizados pela novas tecnologias até esquecem seus pequeninos filhos e netos. Parece uma droga, que se apodera das mentes deles. Que coisa estranha!

    Adorei sua participação na história-realidade e na atenção, que concedeu ao menino. Ele nem estranhou você e lhe deu de imediato os braços para ir para seu colinho. Imagine, se fosse gente, que o quisesse raptar e lhe fazer mal. O menino, na sua ingenuidade, iria, do mesmo jeito, para alcançar o avô.

    Felizmente que tudo terminou em bem e k o famigerado avô reconheceu sua grande falha.

    Novo post por lá. Apareça, se lhe for possível. Obrigada!

    Beijos e dias felizes.

    ResponderExcluir
  6. Boa Tarde, Marli!
    Esta sua importante crônica, "Abandono digital" trata justamente do mal que aflige criança, adolescentes e mesmo adultos, que se deixaram vencer pelo "vício" da Internet. Os pais que não se preocuparam com os seus filhos, que hoje mal convivem com pessoas de carne e osso, amanhã estarão impossibilitados de fazer com que a vida de seus filhos tenha um curso normal. Pena que seja. assim.
    Um ótimo final de semana, Marli.
    Um abraço.
    Pedro

    ResponderExcluir
  7. Uma temática muito actual neste seu texto. Infelizmente acontece que as crianças têm como diz uma "orfandade digital". Gostei da forma como a sua história foi contada e como participou nela.
    Um beijo.

    ResponderExcluir
  8. Boa tarde de paz e Amor, querida amiga Marli!
    Emocionou-me muito ler este post agora visto que passei com meus netinhos o fim de semana e é tão bom! Restaurador nossos passeios e tudo o mais. Cuidar deles, sorriso e abraços com conversinhas tão gostosas...
    O avô deveria estar sofrendo já um princípio de Alzheimer, creio, amiga.
    Você fez muito bem em calar-se, nunca se sabe.
    Seu bom senso falou mais alto... parabéns!
    Só tem algo que me preocuparia: ainda ser acusada de sequestradora... que bom não ter se passado isso com você, querida!
    O mundo não nos leva para um bom julgamento... mesmo tendo boas intenções ainda passamos a possibilidade de ter intenção má.
    Quanto carinho há em seu meigo coração para cuidar tão bem do netinho do avô...
    Tenha dias felizes!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

    ResponderExcluir
  9. Ainda bem que tudo acabou bem e que a senhora estava por perto. As pessoas prejudicam-se até a elas mesmas quando se centram nos seus telemóveis, mas o pior é quando acabam por prejudicar outros!
    Abraço!

    ResponderExcluir
  10. Triste e inegável verdade, Marli! Vejo muito casos semelhantes pela rua, ainda que não cheguem a extremo. Ainda bem que você estava por perto! Boa semana, amiga; meu abraço.

    ResponderExcluir
  11. E é assim... nesta permanente alienação que se tomam conta de crianças... atravessam-se estradas... entra-se e sai-se de transportes públicos, e já se conduz, assistindo a filmes... aliás, os carros modernos são eles mesmos um manancial de distracções...
    Eu confesso, que não aderi... nem quero ter net no telemóvel... pois quando estou na rua... quero olhar o mundo à minha volta... e presentemente nas férias... faço questão de não ter ligações à net... precisando de voltar aos bons velhos tempos... em que não havia esta digitalidade toda tão presente nas nossas vidas... e ainda assim... éramos felizes!
    Um belíssimo texto, que é um fiel retrato dos tempos actuais... em que até crianças se acalmam... não com a presença da mãe ou do pai... mas com um ecranzinho com desenhos animados, na frente delas... vivemos tempos bem estranhos!...
    Beijinhos
    Ana

    ResponderExcluir

A carta que nunca chegou

    Tarde cinza, vento forte fazia os galhos das árvores dançarem no jardim. Eu precisava finalizar a mudança que começara há dois anos,...