31 de ago. de 2013

A BOIADA ENCANTAVA A MINHA VIDA....

 

   Onde estão todas as minhas lembranças?
     Lembranças das histórias da minha infância. O mundo é grandioso,mas em mim ele é mais profundo, pois sinto a profundidade nos recantos da memória, e fui longe buscá-la,por volta dos meus cinco anos. Como começar a escrever o que está dormindo em minha mente e continua silencioso?
     A saudade sempre me fez silenciosa. E busco no meu silêncio acordar minhas reminiscências.
     Lendo Odilon Muncinelli, em sua coluna " MILHO NO MONJOLO," "Caminho dos Tropeiros," o silêncio  se fez claro e as imagens vieram-me à lembrança. Boiadeiros e boiada passavam em frente ao Armazém dos meus pais (hoje falecidos). Na Canção " O menino da Porteira," quando diz: ...eu jogava uma moeda  e ele saia pulando...," ninguém me jogava uma moeda, mas eu saia pulando literalmente, sob os brados de minha mãe, para que eu tivesse cuidado. Para mim, na época, era semelhante a assistir ao mais belo show da vida. Lembro que eu os aplaudia com muita alegria. Eu ficava na porta central do armazém para não perder nada. E não perdia.
     Minha mãe sempre repetia:
    -Quando vem a boiada, (TROPEIROS,) precisamos  ter muito cuidado com essa menina, mais olhos sobre ela, pois ela é bem capaz de ir atrás deles.
     E, eu continuava no meu enlevo batendo palmas à boiada.
     Era muitíssimo comum ver seu Romualdo de Melo (açougueiro), forte na época, morava no bairro, próximo à igrejinha, naquela época chamava-se " TÓCOS", o nome veio pela grande quantidade de tócos de árvores, pois ao lado da então estrada, hoje (Avenida João Pessoa), era rodeada de vegetação alta e muitos tócos e galhos de árvores eram jogados, quando chovia na então barrenta estrada. Os tócos ajudavam, eram como brita que colocam, hoje, em estradas do interior. Está viva em minha memória a feiura que era a estrada em dias chuvosos. Não dá para descrever apenas com palavras, há a necessidade de se contar em uma tela, por um bom artista plástico. Era um lamaçal, havia muita areia, e ficava pior após a passagem da boiada.

 
 

     Voltando à memória, o Seu Romualdo Melo passava com a boiada, na minha frente, levava os bois para o açougue de sua propriedade, localizado na rua Matos Costa, em Porto União. Ainda lembro que eu sempre elogiava o gado. Realmente, eram reses bonitas, porte grande,chifres enormes.
     Junto dele, vinham mais peões, pois o rebanho era imenso. Sem dúvida, o devaneio se alimenta de espetáculos variados e este era meu maior espetáculo, principalmente quando algum animal se desgarrava e eu ouvia os gritos, para as pessoas saírem do caminho da boiada.

Os peões corriam a cavalo, com o chicote, os estalos estão até hoje, em meus ouvidos. Geralmente, a boiada ia tranquila, os cães enormes eram fiéis ao seu trabalho. Ouvi dizer que quando a boiada não está em sua querência, ela fica mais dócil aos comandos. Eu contemplava, paradinha no mesmo lugar. Era demorada a passagem pela estrada e eu batia palmas, hoje, não sei dizer se era para a boiada ou para o show que ela apresentava aos meus olhinhos de criança.
     Passo ainda hoje, por um pequeno choque quando lembro dessa passagem, para mim tão linda.
Antes de serem levados ao matadouro municipal, que ficava no bairro Santa Rosa, o gado passava pelo Posto de Desinfecção, o qual era quase em frente à Igreja São Basílio Magno. Meu pai sempre dizia que Seu Romualdo levava os bois para tomar banho, porque o calor judiava deles. Eu acreditava, pois era difícil, naquela época eu entender que eles iam para a morte.
     A boiada que fora pela manhã já ficava no matadouro, que dó. A noitinha, seu Romualdo Melo, estava de volta com outra boiada, a gente ouvia de longe o tropel do gado e dos cavalos. Os peões traziam o chicote enrolado na mão, e às vezes o faziam rodopiar no ar. Era um show sem igual. Depois de longa jornada a boiada ficava em um imenso pátio com pasto. Porém, quando o tempo era indeterminado, todo o rebanho ficava em um grande potreiro.
     Dona Estela Soznowski, alugava os potreiros para quem precisava , ela morava na rua atrás da igrejinha ( da época). Em frente à casa dela ficava a propriedade do DR. Lauro Miller Soares.
     É necessário estar presente, presente ao acontecimento, no minuto em que ele acontece e a imagem que tenho gravada na mente me seduz porque foi uma sedução.Como uma imagem tão simples pode provocar tanta saudade?
     Às vezes, meu avô me levava para ver os bois no pasto. Eu ficava a observar a distância que era delimitada por ele. Quando algum boi intrometido vinha um pouco mais perto da cerca, meu avô gritava:
-Escapa! Escapa! 
     Essa boiada se diferenciava da outra que fazia o trajeto de Palmas, Porto União da Vitória  até Palmeira.
     Esta escrita são as minhas impressões, que não basta explicá-la. É preciso vivê-las. E, eu as vivi. É necessário estar presente, presente ao acontecimento, no minuto em que ele acontece.E a imagem que tenho gravada na mente,me seduz, porque foi uma sedução.Como uma imagem tão simples pode provocar tanta saudade? É que minha alma é evocada em  cada lembrança boa, do meu tempo de criança, e que hoje se transforma em imagem poética.

16 comentários:

  1. carregado de poesia e muito intenso este texto...
    lembro de mim de meu pai e de meus ancestrais em geral!

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    1. Olá Ricardo, para mim é um texto repleto de emoções.Leva-nos de volta à infância. Obrigada pela visita e comentário. Abraço!

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  2. Gasparzinho1/9/13 10:57

    Belo texto! Dá uma sensação gostosa de infância. Lamento pelas crianças de hoje em suas gaiolas douradas, com seus vídeo games, seus tablets, seus ipods. Jamais conhecerão o verdadeiro sabor da infância.
    Abraços do amiguinho camarada.

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    1. Olá Gasparzinho, é bom termos lembrança de algo bom que passou em nossa vida. Eu tenho muito a contar sobre o que vivi, na época de criança. Eu reflito muito sobre a questão que você bem colocou sobre "Gaiolas Douradas", podemos apenas mostrar-lhes como era a vida em outros tempos. Espero um, dia quando eu tiver netos, possa eu repassar algo das minhas lembranças. Grande abraço!

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  3. oi Minha amiga,

    que delicia termos coisas boas para lembrar da nossa infância,
    as crianças de hoje só vão ter teclas e telas para lembrar...
    pena,tenho pena...

    beijinhos

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    1. Olá Rô, amadinha.
      Eu também sinto pelos que virão a este mundo se sequer conhecer o que nós vivemos literalmente. A minha filha quando leu o meu texto me crivou de perguntas sobre aquele tempo. Mas, ainda o teclado chama mais atenção. Infelizmente.
      Obrigada! Grande abraço!

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  4. Eu sou um desastre em cima de um cavalo, mas sempre sonhei em tocar uma boiada. Quando jovem adorava os filmes que tinham este tema.

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    1. Olá Claudio, que pena que você ainda não conseguiu tocar uma boiada, pois hoje, me parece mais difícil, na época era comum. São coisas que nos fazem reviver e viver na lembrança o tempo bom de ser criança. Abraço!

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  5. Olá

    Belíssimo texto.
    passei para Ler e deixar abraços

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    1. Olá, obrigada pela vista e comentário. volte sempre, pois o blog também é seu. Abraço!

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  6. Limerique

    Quando lembranças já um tanto cansadas
    Dizem quanto trilhamos nossas estradas
    Sabemos que isso é vida
    Com belezas e feridas
    Por onde passaram tantas boiadas.

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    1. Olá Jair, que belas palavras ,poesia pura. Penso que ainda temos as nossas estradas , mesmo que sejam apenas na lembrança .
      Podemos revivê-las quando quisermos. Obrigada! Abraço!

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  7. BOA NOITE MINHA QUERIDA !
    HOJE AO ABRIR MEU BLOG FUI SURPREENDIDA COM SUA VISITA E COMENTÁRIO.E RETROCEDI NO TEMPO.LEMBRA-SE QUE UM DIA EU COBREI TUA PRESENÇA NELE?
    VALEU MUITO A PENA.POIS ERA DE PESSOAS HONESTAS E QUERIDAS QUE ESTAVA ATRÁS.
    HOJE VALEU,ABRI E LER TODOS QUE POR LÁ PASSARAM.VOCÊ FOI UM DELES
    AGRADEÇO O CARINHO DEIXADO LÁ.NEM TEM PREÇO,SABIAS ?
    DEPOIS VOLTAREI PARA COMENTAR TEUS BELOS POSTS.HOJE É MARCANDO PRESENÇA,RSRSRSRSRSR
    BEIJO GRANDE !!!!!

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    1. Olá Severa, pois é senti muito a sua falta. Fiquei feliz ao vê-la por aqui. Espero que você volte logo a fazer brilhar o espaço que também é seu.
      Grande abraço!

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  8. Lembranças preciosas, Marli, que você descreveu de uma forma tão real que podemos assistir a passagem da boiada. Nem consigo imaginar o encanto que a envolvia porque não vivi essa experiência. Tem razão, só quem vê pode fazer essa pintura, com exatidão. Bjs.

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    1. Olá Marilene, pena que você não viveu esta vida de simplicidade junto à natureza .
      Tenho muito a contar , e vou devagar. obrigada pela visita e seu comentário muito valioso para mim. Beijos!

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